google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada

sábado, 29 de junho de 2019

A Segunda Vinda de Cristo é iminente?



A Segunda Vinda de Cristo é iminente? Pode acontecer a qualquer momento sem prévios sinais? A resposta é não. Pois não seria lógico concluir que determinados textos estão ensinando a idéia da iminência hoje, quando se evidencia que estes mesmos textos não poderiam ter sido interpretados neste sentido por seus primitivos destinatários. Por exemplo, os textos, como Mc 9.1; Mc 13.29-30; Mt 10.23; Rm 13.11-12; Tg 5.8; 1 Pe 4.7; Ap 22.20; Hb 10.25, 37; 1 Jo 2.18, usados pelos dispensacionalistas para defender uma Segunda Vinda de Cristo iminente, nunca poderiam ter sido compreendidos pelos discípulos com esta intenção, pois quando foram escritos, certos eventos tinham, necessariamente, que ocorrer antes da Segunda Vinda de Cristo, por exemplo: A promessa do consolador (Jo 16.7, 13, 26); Evangelho deveria ser pregado a todo mundo (Mt 26.13; At 1.8; 9.15; 22.15; 26.2); Pedro seria morto conforme profetizado por Cristo (Jo 21.18); guerras viriam antes do fim (Lc 21.9); primeiro ocorreria a apostasia e o aparecimento do Homem da Iniquidade (2 Ts 2.2,3). Paulo recebeu de Deus diversas orientações sobre o que lhe ocorreria no decurso de sua vida e ministério, inclusive sobre sua morte (At 9.15; 22.15; 26.2; 23.11; 27.24; 28.30; 2 Tm 4.5ss. Fica evidente, então, que a Igreja neo-testamentária não poderia ter esperado uma vinda de Cristo a qualquer momento. Se os textos usados pelos dispensacionalistas nunca poderiam ter significado de iminência para os leitores originais, também não têm este significado para nós, hoje.

Cristo no Sermão das últimas coisas nos ensinou que sinais deveriam preceder sua Segunda Vinda. Sinais depõem contra a idéia de “iminência”. Os sinais não têm a intenção de nos conceder condições para precisar o dia da Segunda Vinda, Jesus denuncia a fascinação por cálculos (Mt 24.33-36); os sinais mencionados por Cristo são inespecíficos para este fim, antes, o propósito é preparar o povo de Deus com a compreensão das pressões que terá de suportar. O propósito de Jesus é encorajar, não a especulação, mas a vigilância - fortalecer a fé e advertir os discípulos do que será a sua sorte como seguidores dela. Se os cristãos atentarem para as palavras de Cristo, como disse Travis, “conhecerão que a situação não está fora do controle de Deus, e que eles podem ‘perseverar até o fim e serem salvos’ (Mc 13.13) e que além dessas tribulações está o retorno triunfante do Filho do Homem (Mc 13.24-27)”.1 Por não sabermos quando se dará Sua Segunda Vinda, é necessária a vigilância (Mt 24.42-25.13). Alguns textos sugerem um tempo relativamente longo entre a ascensão e a Segunda Vinda de Cristo (Rm 9; 11; Mt 24.45-51; 2 Pe 3). O livro de Atos é um livro de história da Igreja e ninguém escreve história convencido de que o mundo está para acabar. 

Os textos que falam sobre uma “vinda súbita” e o dos “sinais”, e mesmo aqueles que apontam para uma “demora”, não são contraditórios, mas complementares. Em 1 Tessalonicenses 5, temos uma referência à “vinda súbita”, já em 2 Tessalonicenses 2, temos a menção de “sinais” que devem preceder a Segunda Vinda de Cristo. Jesus não disse que poderia vir a qualquer momento, antes profetizou uma série de eventos que se dariam antes daquele glorioso dia. Tais sinais não são suficientemente precisos para calcularmos o tempo da Sua vinda, que para nós permanece como incerta, requerendo que estejamos sempre alertas. Este “em breve” pode até nos parecer demorado, como bem explicou Pedro, dizendo que há um propósito para o que encaramos como “demora”, a longanimidade de Deus e seu desejo que nenhum pereça (2 Pe 3.9); Pedro ensina que podemos fazer algo para “apressar” a Segunda Vinda de Cristo (2 Pe 3.12), que depende, em algum sentido, das conversões (At 3.19-21). Jesus disse: “Mas é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações” (Mc 13.10; cf. Mt 24.14). Conforme o ensino do apóstolo Pedro, a Segunda Vinda de Cristo não é iminente, pelo contrário ela depende da realização dos propósitos de Deus, que, por sua vez, estão vinculados à missão da Igreja. É desta forma que podemos entender o que o apóstolo quer dizer com esta incumbência dada aos cristãos de “apressar” a vinda do Senhor (2 Pe 3.12). Seria contraditório crer que a Segunda Vinda de Cristo pode se dar a qualquer momento, independente de qualquer fator ou cumprimento profético, e, ao mesmo tempo, ensinar que pode ser feito algo para apressar a vinda do Senhor. Ou Pedro era um pré-tribulacionista que acreditava que a Segunda Vinda de Cristo era iminente ou era, como deixou claro em sua segunda epístola, daqueles que acreditam que a Segunda Vinda do Senhor depende, entre outras coisas, da obra missionária da Igreja. Por isso, exorta os cristãos que cumpram o seu papel, apressando a volta de Jesus.




terça-feira, 25 de junho de 2019

A Vinda do Anticristo



Segundo  as  palavras  de  Jesus  em  Mateus  24,  uma  das  características  crescentes  da época  precedente  à  queda  de  Israel  haveria  de  ser  a  apostasia  dentro  da  Igreja  Cristã.  Isso  foi mencionado  anteriormente,  mas  um  estudo  mais  concentrado  nesse  ponto  lançará  mais luz  sobre  várias  questões  relacionadas  ao  Novo  Testamento  –  questões  com  freqüência concebidas  de  forma  errônea. 

Geralmente  pensamos  no  período  apostólico  como  um  tempo  de  evangelismo explosivo  e  crescimento  da  Igreja,  uma  “idade  de  ouro”  quando  ocorriam  milagres assombrosos  todos  os  dias.  Essa  imagem  comum  é  substancialmente  correta,  mas  é defeituosa  em  vista  de  uma  omissão  proeminente.  Tendemos  a  negligenciar  o  fato  que  a Igreja  primitiva  foi  o  cenário  da  aparição  da  heresia  mais  dramática  na  história  do  mundo

A Grande  Apostasia 

A  heresia  começou  a  introduzir-se  muito  cedo  no  desenvolvimento  da  Igreja.  Atos 15  registra  a  reunião  do  primeiro  Concílio  da  Igreja,  que  foi  realizada  a  fim  de  tomar  uma decisão  autoritativa  com  respeito  à  questão  da  justificação  pela  fé  (alguns  mestres  tinham promovido  a  falsa  doutrina  que  uma  pessoa  deveria  guardar  as  leis  cerimoniais  do  Antigo Testamento  para  ser  justificado).  Contudo,  o  problema  não  desapareceu;  alguns  anos depois,  Paulo  teve  que  tratar  com  ele  novamente,  em  sua  carta  às  igrejas  da  Galácia.  Como disse  S.  Paulo,  essa  aberração  doutrinária  não  era  insignificante,  pois  afetava  a  própria salvação:  era  um  “evangelho  diferente”,  uma  deformação  total  da  verdade,  e  equivalia  a uma  repudiação  do  próprio  Jesus  Cristo.  Usando  algumas  das  terminologias  mais  severas de  sua  carreira,  Paulo  pronunciou  condenação  sobre  os  “falsos  irmãos”  que  ensinavam  a heresia  (veja  Gálatas  1:6-9;  2:5,  11-21;  3:1-3;  5:1-12).  

S.  Paulo  também  previu  que  a  heresia  contagiaria  as  igrejas  da  Ásia  Menor.  Reuniu os  presbíteros  de  Éfeso,  e  exortou-os  a  “atendei  por  vós  e  por  todo  o  rebanho”,  pois  “eu sei  que,  depois  da  minha  partida,  entre  vós  penetrarão  lobos  vorazes,  que  não  pouparão  o rebanho.  E  que,  dentre  vós  mesmos,  se  levantarão  homens  falando  coisas  pervertidas  para arrastar  os  discípulos  atrás  deles”  (Atos  20:28-30).  Tal  como  S.  Paulo  tinha  predito,  a  falsa doutrina  se  tornou  um  problema  de  proporções  enormes  nessas  igrejas.  No  tempo  em  que o  livro  do  Apocalipse  foi  escrito,  algumas  delas  tinham  chegado  a  estar  quase completamente  arruinadas  por  meio  do  progresso  dos  ensinos  heréticos  e  a  apostasia resultante  (Apocalipse  2:2,  6,  14-16,  20-24;  3:1-4,  15-18). 

Mas  o  problema  da  heresia  não  ficou  limitado  a  uma  área  geográfica  ou  cultural.  Ele se  espalhou  e  se  tornou  um  tema  cada  vez  mais  tratado  pelo  conselho  apostólico  e  de vigilância  pastoral  com  o  avançar  do  tempo.  Alguns  hereges  ensinavam  que  a  ressurreição final  já  tinha  acontecido  (2  Timóteo 2:18),  enquanto  outros  alegavam  que  a  ressurreição  era impossível  (1  Coríntios 15:12);  alguns  ensinavam  doutrinas  estranhas  de  ascetismo  e adoração  a  anjos  (Colossenses  2:8, 18-23;  1 Timóteo 4:1-3),  enquanto  outros  advogavam todo  tipo  de  imoralidade  e  rebelião  em  nome  da  “liberdade”  (2  Pedro 1-3,  10-22;  Judas 4, 8, 10-13, 16).  Repetidamente  os  apóstolos  se  viam  forçados  a  repreender  fortemente  a tolerância  para  com  os  falsos  mestres  e  “falsos  apóstolos”  (Romanos 16:17-18;  2  Coríntios 11:3-4, 12-15;  Filipenses 3:18-19;  1 Timóteo 1:3-7;  2 Timóteo 4:2-5),  pois  estes  tinham  sido a  causa  do  afastamento  de  muitos  da  fé,  e  a  extensão  da  apostasia  estava  crescendo  à medida  que  o  tempo  avançava  (1Timóteo 1:19-20;  6:20-21;  2 Timóteo  2:16-18;  3:1-9,  13; 4:10, 14-16).  Uma  das  últimas  cartas  do  Novo  Testamento,  o  livro  de  Hebreus,  foi  escrita  a uma  comunidade  cristã  que  estava  a  ponto  de  abandonar  completamente  o  Cristianismo.  A Igreja  Cristã  da  primeira  geração  não  foi  caracterizada  somente  pela  fé  e  milagres;  ela  foi caracterizada  também  por  uma  crescente  desobediência  à  lei,  rebelião  e  heresia  dentro  da própria  comunidade  cristã  –  tal  como  Jesus  tinha  predito  em  Mateus  24. 

A Grande Apostasia 

Os  cristãos  tinham  um  termo  específico  para  essa  apostasia.  Eles  a  chamavam  de Anticristo.  Muitos  escritores  populares  têm  feito  especulações  acerca  desse  termo, usualmente  falhando  em  considerar  seu uso  na  Escritura.  Em  primeiro  lugar,  considere  um fato  que  sem  dúvida  assombrará  algumas  pessoas:  a  palavra  “Anticristo”  nunca  ocorre  no  livro  do Apocalipse.  Nem  uma  só  vez.  Todavia,  o  termo  é  rotineiramente  usado  por  mestres  cristãos como  um  sinônimo  de  “a  Besta”  de  Apocalipse  13.  Obviamente,  não  há  dúvida  que  a  Besta é  um  inimigo  de  Cristo,  e  por  isso  é  “anti”  Cristo  nesse  sentido;  meu  ponto,  contudo,  é  que o  termo  Anticristo  é  usado  num  sentido  muito  específico,  e  em  sua  essência  não  se  relaciona com  a  figura  conhecida  como  “a  Besta”  e  “666”.

Um erro  adicional  ensina  que  “o  Anticristo”  é  um  indivíduo  específico;  relacionado com  isso  está  a  noção  de  que  “ele”  é  alguém  que  aparecerá  no  final  do  mundo.  Todas  essas idéias,  como  a  primeira,  são  contraditas  pelo  Novo  Testamento. 

De  fato,  as  únicas  ocorrências  do  termo  Anticristo  estão  nos  versículos  abaixo,  das cartas  do  apóstolo  João: 

Filhinhos,  já  é  a  última  hora;  e,  como  ouvistes  que  vem  o  anticristo, também,  agora,  muitos  anticristos  têm  surgido;  pelo  que  conhecemos  que  é a  última  hora.  

Eles  saíram  de  nosso  meio;  entretanto,  não  eram  dos  nossos;  porque,  se tivessem  sido  dos  nossos,  teriam  permanecido  conosco;  todavia,  eles  se foram  para  que  ficasse  manifesto  que  nenhum  deles  é  dos  nossos. 

Quem  é  o  mentiroso,  senão  aquele  que  nega  que  Jesus  é  o  Cristo?  Este  é  o anticristo,  o  que  nega  o  Pai  e  o  Filho.  Todo  aquele  que  nega  o  Filho,  esse não  tem  o  Pai;  aquele  que  confessa  o  Filho  tem  igualmente  o  Pai.  

Isto  que  vos  acabo  de  escrever  é  acerca  dos  que  vos  procuram  enganar  (1 João  2:18-19,  22-23,  26).

Amados,  não  deis  crédito  a  qualquer  espírito;  antes,  provai  os  espíritos  se procedem  de  Deus,  porque  muitos  falsos  profetas  têm  saído  pelo  mundo fora.

Nisto  reconheceis  o  Espírito  de  Deus:  todo  espírito  que confessa que Jesus Cristo  veio  em  carne  é  de  Deus; e  todo  espírito  que  não  confessa  a  Jesus  não  procede  de  Deus;  pelo contrário,  este  é  o  espírito  do  anticristo,  a  respeito  do  qual  tendes  ouvido que  vem e,  presentemente,  já  está  no  mundo.

Filhinhos,  vós  sois  de  Deus  e  tendes  vencido  os  falsos  profetas,  porque maior  é  aquele  que  está  em  vós  do  que  aquele  que  está  no  mundo.  Eles procedem  do  mundo;  por  essa  razão,  falam  da  parte  do  mundo,  e  o  mundo os  ouve.  

Nós  somos  de  Deus;  aquele  que  conhece  a  Deus  nos  ouve;  aquele  que  não  é da  parte  de  Deus  não  nos  ouve.  Nisto  reconhecemos  o  espírito  da  verdade  e o  espírito  do  erro  (1  João  4:1-6).  

Porque  muitos  enganadores  têm  saído  pelo  mundo  fora,  os  quais  não confessam  Jesus  Cristo  vindo  em  carne;  assim  é  o  enganador  e  o  anticristo.

Acautelai-vos,  para  não  perderdes  aquilo  que  temos  realizado  com  esforço, mas  para  receberdes  completo  galardão.  

Todo  aquele  que  ultrapassa  a  doutrina  de  Cristo  e  nela  não  permanece  não tem  Deus;  o  que  permanece  na  doutrina,  esse  tem  tanto  o  Pai  como  o  Filho. 

Se  alguém  vem  ter  convosco  e  não  traz  esta  doutrina,  não  o  recebais  em casa,  nem  lhe  deis  as  boas-vindas.  

Porquanto  aquele  que  lhe  dá  boas-vindas  faz-se  cúmplice  das  suas  obras más  (2  João  7-11). 

Os  textos  citados  acima  incluem  todas  as  passagens  da  Bíblia  que  mencionam  a palavra  Anticristo,  e  delas  podemos  extrair  várias  conclusões  importantes: 

Primeiro,  os  cristãos  já  tinham  sido  advertidos  sobre  a  vinda  do  Anticristo  (1  João  2:18; 4:3). 

Segundo,  não  há  um  único,  mas  “muitos  Anticristos”  (1  João  2:18).  O  termo Anticristo,  portanto,  não  pode  ser  simplesmente  uma  designação  de  um  indivíduo. 

Terceiro,  o  Anticristo  já  estava  atuando  quando  S.  João  escreveu:  “também,  agora, muitos  anticristos  têm  surgido”  (1João 2:18);  “Isto  que  vos  acabo  de  escrever  é  acerca  dos que  vos  procuram  enganar”  (1João  2:26);  “este  é  o  espírito  do  anticristo,  a  respeito  do  qual tendes  ouvido  que  vem  e,  presentemente,  já  está  no  mundo”  (1João 4:3);  “Porque  já  muitos enganadores  entraram  no  mundo,  os  quais  não  confessam  que  Jesus  Cristo  veio  em  carne. Este  tal  é  o  enganador  e  o  anticristo”  (2João  7,  RC).  Obviamente,  se  o  Anticristo  já  estava presente  no  primeiro  século,  ele  não  era  alguma  figura  que  surgiria  no  final  do  mundo.

Quarto,  o  Anticristo  era  um  sistema  de  incredulidade,  particularmente  a  heresia  de  negar  a pessoa  e  obra  de  Jesus  Cristo.  Embora  os  Anticristos  aparentemente  alegassem  pertencer  ao  Pai, eles  ensinavam  que  Jesus  não  era  o  Cristo  (1João 2:22);  em  união  com  os  falsos  profetas  (1 João  4:1),  negavam  a  encarnação  (1João 4:3; 2João 7,9);  e  rejeitavam  a  doutrina  apostólica (1João  4:6). 

Quinto,  os  Anticristos  tinham  sido  membros  da  Igreja  Cristã,  mas  tinham abandonado  a  fé  (1João 2:19).  Agora  esses  apóstatas  estavam  tentando  enganar  outros cristãos,  a  fim  de  apartar  de  Jesus  Cristo  toda  a  Igreja  (1João  2:26;  4:1;  2João 7, 10). 

Colocando  tudo  isso  junto,  podemos  ver  que  o  Anticristo  é  uma  descrição  tanto  do sistema  de  apostasia como  de  indivíduos  apóstatas.  Em  outras  palavras,  o  Anticristo  era  o cumprimento  da  profecia  de  Jesus  que  um  tempo  de  grande  apostasia  chegaria,  quando “muitos  hão  de  se  escandalizar,  trair  e  odiar  uns  aos  outros;  levantar-se-ão  muitos  falsos profetas  e  enganarão  a  muitos”  (Mateus  24:10-11).  Como  João  disse,  os  cristãos  tinham sido  advertidos  da  vinda  do  Anticristo;  e,  certamente,  “muitos  Anticristos”  surgiram.  Por um  tempo,  eles  creram  no  evangelho;  mais  tarde  abandonaram  a  fé,  e  então  começaram  a tentar  enganar  a  outros,  quer  iniciando  novas  seitas  ou,  o  que  é  mais  provável,  procurando atrair  cristãos  para  o  judaísmo  –  a  falsa  religião  que  alegava  adorar  o  Pai  enquanto  negava  o Filho.  Quando  a  doutrina  do  Anticristo  é  entendida,  ela  se  encaixa  perfeitamente  com  o que  o  restante  do  Novo  Testamento  fala  sobre  a  época  da  “última  geração”. 

Um  dos  Anticristos  que  afligiu  a  Igreja  primitiva  foi  Cerinto,  o  líder  de  uma  seita judaica  do  primeiro  século.  Considerado  pelos  Pais  da  Igreja  como  “o  Arqui-herege”,  e identificado  como  um  dos  “falsos  apóstolos”  aos  quais  S.  Paulo  se  opôs,  Cerinto  era  um judeu  que  se  uniu  à  Igreja  e  começou  a  afastar  os  cristãos  da  fé  ortodoxa.  Ele  ensinava  uma deidade  menor,  e  não  o  Deus  verdadeiro,  que  tinha  criado  o  mundo  (sustentando,  com  os gnósticos,  que  Deus  era  muito  “espiritual”  para  se  preocupar  com  a  realidade  material). Logicamente,  isso  significava  também  uma  negação  da  encarnação,  visto  que  Deus  não tomaria  para  si  mesmo  um  corpo  físico  e  uma  personalidade  verdadeiramente  humana.  E Cerinto  era  consistente:  ele  declarou  que  Jesus  tinha  sido  meramente  um  homem  comum, não  nascido  de  uma  virgem;  que  “o  Cristo”  (um  espírito  celestial)  tinha  descido  sobre  o homem  Jesus  em  seu  batismo  (capacitando-o  a  realizar  milagres),  mas  então  o  deixou novamente  na  crucificação.  Cerinto  também  advogava  uma  doutrina  da  justificação  pelas obras  –  em  particular,  a  necessidade  absoluta  de  observar  as  ordenanças  cerimoniais  do Antigo  Pacto  para  ser  salvo. 

Ademais,  Cerinto  foi  aparentemente  o  primeiro  a  ensinar  que  a  segunda  vinda iniciaria  um  reino  literal  de  Cristo  em  Jerusalém  por  mil  anos.  Embora  isso  fosse  contrário ao  ensino  apostólico  do  reino,  Cerinto  alegou  que  um  anjo  tinha  lhe  revelado  essa  doutrina (assim  como  Joseph  Smith,  um  Anticristo  do  século  19,  afirmaria  mais  tarde  ter  recebido uma  revelação  angelical). 

Os  verdadeiros  apóstolos  se  opuseram  fortemente  à  heresia  de  Cerinto.  S.  Paulo admoestou  as  igrejas:  “Mas,  ainda  que  nós  ou  mesmo  um  anjo  vindo  do  céu  vos  pregue evangelho  que  vá  além  do  que  vos  temos  pregado,  seja  anátema!”  (Gálatas 1:8),  e  na  mesma carta  continuou  refutando  as  heresias  legalistas  sustentadas  por  Cerinto.  De  acordo  com  a tradição,  o  apóstolo  João  escreveu  seu  evangelho  e  suas  cartas  com  Cerinto  especialmente em  mente.  (Somos  informados  que  S.  João  entrou  certa  vez  numa  casa  de  banho  público  e reconheceu  esse  Anticristo  diante  dele.  O  apóstolo  imediatamente  deu  meia-volta  e  correu, gritando:  “Fujamos,  não  seja  que  desabe  o  edifício;  pois  Cerinto,  o  inimigo  da  verdade,  está dentro!”). 

Retornando  às  declarações  de  S.  João  sobre  o  espírito  do  Anticristo,  devemos observar  que  ele  enfatiza  outro  ponto,  muito  significante:  segundo  Jesus  predisse  em  Mateus  24,  a  vinda  do  Anticristo  é  um  sinal  “do  Fim”:  “Filhinhos,  já  é  a  última  hora;  e,  como ouvistes  que  vem  o  anticristo,  também,  agora,  muitos  anticristos  têm  surgido;  pelo  que conhecemos  que  é  a  última  hora”  (1  João  2:18).  A  relação  que  as  pessoas  geralmente  fazem  entre o  Anticristo  e  “os  últimos  dias”  é  correta;  mas  o  que  é  frequentemente  ignorado  é  o  fato que  a  expressão  os  últimos  dias,  e  termos  similares,  é  usada  na  Bíblia  para  referir-se,  não  ao fim  do  mundo  físico,  mas  aos  últimos  dias  da  nação  de  Israel,  os  “últimos  dias”  que  terminariam com  a  destruição  do  templo  em  70  d.C.  Isso,  também,  surpreenderá  a  muitos,  mas  devemos aceitar  os  ensinos  claros  da  Escritura.  Os  autores  do  Novo  Testamento  sem  dúvida  usavam a  linguagem  os  “últimos  tempos”  quando  falando  do  período  em  que  viviam,  antes  da queda  de  Jerusalém.  Como  temos  visto,  o  apóstolo  João  disse  duas  coisas  sobre  esse  ponto: primeiro,  que  o  Anticristo  já  tinha  vindo;  e,  segundo,  que  a  presença  do  Anticristo  era  prova  de  que ele  e  seus  leitores  estavam  vivendo  na  “última  hora”.  Em  uma  de  suas  primeiras  cartas,  S.  Paulo teve  que  corrigir  uma  impressão  errônea  com  respeito  ao  juízo  vindouro  sobre  Israel.  Os falsos  mestres  assustavam  os  crentes  dizendo  que  o  dia  do  juízo  estava  por  vir  sobre  eles.  S. Paulo  lembrou  aos  cristãos  o  que  ele  tinha  explicando  antes: 

Ninguém,  de  nenhum  modo,  vos  engane,  porque  isto  não  acontecerá  sem que  primeiro  venha  a  apostasia..  (2  Tessalonicenses  2:3). 

No  fim  daquela  época,  contudo,  enquanto  João  estava  escrevendo  suas  cartas,  a Grande  Apostasia  –  o  espírito  do  Anticristo,  sobre  o  qual  o  Senhor  tinha  profetizado  –  era uma  realidade. 

S.  Judas,  que  escreveu  um  dos  últimos  livros  do  Novo  Testamento,  deixa-nos  sem dúvida  sobre  esse  assunto.  Fazendo  fortes  condenações  contra  os  hereges  que  tinham invadido  a  Igreja  e  estavam  tentando  afastar  os  cristãos  da  fé  ortodoxa  (Judas 1-16),  ele recorda  aos  seus  leitores  que  eles  já  haviam  sido  advertidos  sobre  essa  mesma  coisa: 

Vós,  porém,  amados,  lembrai-vos  das  palavras  anteriormente  proferidas pelos  apóstolos  de  nosso  Senhor  Jesus  Cristo,  os  quais  vos  diziam:  No  último tempo,  haverá  escarnecedores,  andando  segundo  as  suas  ímpias  paixões.  São  estes os  que  promovem  divisões,  sensuais,  que  não  têm  o  Espírito  (Judas  17-19). 

S.  Judas  claramente  considera  as  advertências  sobre  os  “encarnecedores”  como  se referindo  aos  hereges  dos  seus  dias  –  significando  que  seus  dias  era  o  período  do  “último tempo”.  Como  S.  João,  ele  sabia  que  a  multiplicação  rápida  dos  falsos  irmãos  era  um  sinal do  Fim.  O  Anticristo  tinha  chegado,  e  já  era  a  última  hora. 


Fonte:  Capítulo  3  do  excelente  livro  The  Great  Tribulation, de David Chilton. 

Tradução: Felipe  Sabino de Araújo Neto

sexta-feira, 21 de junho de 2019

O Papismo e a Idolatria Anticristã



“…Eu, muito consideraria comigo mesmo a grandeza da indignação de Deus contra aqueles que mesmo que em coisas mínimas, venham a submeter sua fidelidade ao Anticristianismo, quando o mesmo descerá sobre nós. Em Apocalipse XIII. 11, há menção de “uma besta que tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro; e falava como um dragão” (essa besta, penso eu, é o papa)”, e ele exerce todo o poder da primeira besta“, isto é, ele exerce um poder responsável pelo poder pagão. Mas como assim? Versículo 16 “fez com que em todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, fosse posto um sinal na mão direita, ou nas suas testas; e que ninguém poderia comprar ou vender, caso não venha a ter o sinal“. Não importa o que a marca representa; mas receber qualquer coisa dele, é receber a sua marca; tanto em nossas testas, onde iremos mostrá-lo ao mundo inteiro; ou em nossas mãos, que certamente indica algo mais em particular, que pode ser mostrado quando a oportunidade serve. Mas porque? Por que, no cap XIV. 6, 7; iremos ler : “Eu vi outro anjo voar pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para proclamar a todos que habitam sobre a terra, de toda a nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande voz; Temei a Deus e dai-lhe glória; pois a hora do seu julgamento é vindo; e adorai Aquele que fez o céu e a terra, e o mar, e as fontes das águas“. Quando o Anticristo vem trazendo e colocando a sua marca na testa das pessoas e em suas mãos, Deus, pelo Seu Evangelho, chama os homens de suas falsa adorações e idolatria. Mas e, caso eles não venham a obedecer? Versos 9 e 10 nos dizer um que o “terceiro anjo seguiu, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta e a sua imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na sua mão, tal beberá do vinho da ira de Deus, e se deitando e sendo misturado no cálice da sua ira; será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro“, [etc]. Alguns estarão aptos a dizer: “Façamos uma composição justa, e usemos algum cumprimento de acordo, para colocar um fim a essas disputas“. Se quiser fazer isso, vá fazer isso para o seu próprio perigo. Deus diz que você beberá do vinho da Sua ira, e você deitará, no cálice da Sua ira, e isso para todo o sempre. E eu acredito com todo meu coração e alma que esta será a parcela de todos os homens e mulheres nesta nação que venham a escolher por cumprir qualquer retorno à idolatria anticristã entre nós. DEUS DERRAMARÁ A SUA IRA SOBRE ELES“…

John Owen – Sermons of John Owen – Sermon XII – The use of faith, if popery should return upon us.

Tradução: Lucas Macedo


quinta-feira, 13 de junho de 2019

A prisão de Satanás



Quatro perguntas nos chamam a atenção:

Em primeiro lugar, o que significa a prisão de Satanás? Segundo Apocalipse 9:1,11; 11:7; 20:1-3, podemos concluir que o poço do abismo tem uma tampa (Ap 9:1) que pode ser aberta (Ap 9:2), fechada (20:3) e selada (20:3). João vê que o anjo tem a chave do abismo e uma grande corrente (20:1). Diz que ele prendeu a Satanás por mil anos (20:3). E que o fechou no abismo até completarem os mil anos. Isso tudo é um simbolismo. Um espírito não pode ser amarrado com corrente. Prendeu, fechou e selou são termos que denotam a limitação do seu poder. Satanás está limitado em sua ação de três formas: algemas, chave e selo. Nem no próprio abismo, nem sobre a terra, nem no céu ele tem poder para agir livremente.

Satanás só pode ir até onde Deus permite (Jó 1:12; 2:6). Ele está mantido sob freio.

Isso significa que a sua autoridade e seu poder foram restringidos. Satanás não pode mais enganar as nações. A evangelização dos povos foi ordenada e Deus vai chamar os Seus eleitos! A prisão de Satanás não significa que ele está inativo, fora de cena. Ele está na corrente de Deus. Essa corrente é grande. Mas ele é um inimigo limitado. 

Em segundo lugar, o que significa que Satanás não pode mais enganar as nações: 

A prisão de Satanás tem a ver com a primeira vinda e não com a segunda vinda: Vários textos bíblicos comprovam isso. Em Mateus 12:29 lemos: “Ou como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa.” Em Lucas 10:17-18 está escrito: “Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: “Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo Teu nome! Mas Ele lhes disse: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago” De igual forma em João 12:31-32 está registrado: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo”. Colossenses 2:15 diz: “E, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”. Hebreus 2:14 afirma: “...para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo”. 1 Jo 3:8 ainda afirma: “...Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo”. Finalmente, lemos em Apocalipse 12:5-17 que a expulsão de Satanás foi o resultado da coroação de Cristo. Assim, a amarração de Satanás começou na primeira vinda de Cristo e isso é o que provavelmente Apocalipse 20:2 significa.

Simon Kistemaker, elucidando a questão da razão da prisão de Satanás, escreve:
Por toda a era veterotestamentária, somente a nação de Israel recebeu revelação de Deus (Rm 3:2). Embora nomes de indivíduos não judeus fossem inscritos nos registros divinos e adotados em sua família (SI 87:4-6), as nações gentílicas estavam destituídas de Sua Palavra. Mas tudo isso mudou depois que Cristo ressurgiu, quando instruiu Seus seguidores a fazer discípulos de todas as nações (Mt 28:19-20). Desde a ascensão de Jesus, a Satanás se tornou impossível deter o avanço do evangelho da salvação. Ele tem estado preso e destituído de autoridade, enquanto as nações do mundo ao redor do globo têm recebido as alegres boas-novas. O Filho de Deus tomou posse dessas nações (SI 2:7-8) e privou Satanás de desencaminhá-las durante esta era evangélica. Cristo está atraindo para Si pessoas de todas as nações, e dentre elas os eleitos de Deus serão salvos e atraídos ao Seu reino.

A prisão ou restrição do poder de Satanás tem a ver com a obra de Cristo na cruz e com a evangelização das nações, de onde Deus chama eficazmente todos os Seus eleitos. Satanás está restrito em seu poder no sentido de que não pode destruir a igreja (Mt 16:18) nem pode impedir que os eleitos de todas as nações recebam o evangelho e creiam (Rm 8:30). Satanás é impotente para evitar a expansão da igreja entre as nações por meio de um trabalho missionário ativo. A igreja é internacional. O particularismo da antiga dispensação (judeus) deu lugar ao universalismo da nova (igreja).

Precisamos voltar a esse ponto e deixar bem claro que a prisão de Satanás não significa sua inatividade. Satanás está vivo e ativo no planeta terra. Mais uma vez William Hendriksen é oportuno em seu comentário: 

O diabo não está atado em todo o sentido. Sua influência não está destruída completamente. Pelo contrário, dentro da esfera em que se lhe permite exercer sua influência para o mal, ele brama furiosamente. Um cão atado firmemente com uma longa coleira pode fazer muito dano dentro do círculo da sua prisão. Porém, fora daquele círculo o cão não pode causar nenhum dano. Apocalipse 20:1-3 nos ensina que o poder de Satanás está refreado e sua influência restringida a respeito de uma esfera definida de atividade: “para que não mais engane as nações”. Claro está que o diabo pode fazer muito durante este período de mil anos. Mas há uma coisa que ele não pode fazer durante este período! A respeito dessa coisa ele está amarrado definida e firmemente. Não pode destruir a igreja como uma poderosa organização missionária, publicadora do evangelho a todas as nações, e não pode fazê-lo até que se cumpram os mil anos.

Em terceiro lugar, o que significa o pouco tempo em que Satanás será solto depois do milênio? William Hendriksen diz que esse pouco tempo retrata o mesmo período da grande tribulação, a apostasia e o reinado do anticristo. Esse é o tempo que antecede à segunda vinda de Cristo.

Em quarto lugar, o que significam os mil anos durante os quais Satanás é preso? Este capítulo usa várias figuras simbólicas. O abismo, a corrente, a prisão, e também o milênio. O número mil sugere um período de completude, um período inteiro. Sugere um longo período, um período completo, o número dez cubicado. Mil anos é o tempo que vai da primeira vinda de Cristo até o tempo da grande tribulação, da apostasia, do aparecimento do homem da iniquidade, do período chamado “pouco tempo” de Satanás, que precede à segunda vinda de Cristo. E o período que Cristo está reinando até colocar todos os inimigos debaixo dos Seus pés (1 Co 15:23-25). Esse período do milênio precede o juízo e o juízo no ensino geral das Escrituras segue imediatamente à segunda vinda (Mt 25:31; Rm 8:20-22).

Nessa mesma linha de pensamento, o conhecido estudioso dessa matéria Antony Hoekema, afirma acerca dos mil anos: 

Sabemos que o número dez significa plenitude, e visto que mil é dez elevado à terceira potência, podemos pensar que a expressão “mil anos” é uma representação de um período completo, um período muito longo, de duração indeterminada. Coerentemente com o que foi dito anteriormente a respeito da estrutura do livro, e à luz dos versos 7-15 deste capítulo 20 (que descrevem o “pouco tempo” de Satanás, a batalha final e o juízo final), podemos chegar à conclusão que este período de mil anos se estende desde a primeira vinda de Cristo até muito pouco tempo antes da segunda.

Hernandes Dias Lopes. Apocalipse / Futuro chegou, as coisas que em breve devem acontecer - São Paulo, SP: Hagnos 2005.(Comentários expositivos Hagnos). pg. 345-349



sábado, 8 de junho de 2019

A Prosperidade do Evangelho e da Igreja



“Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;” [Mateus 6:10]

“…A segunda petição é que ‘venha o teu reino’. Ainda que não contenha nada de novo, com justa razão diferencia-se e distingue-se da primeira, porque, se considerarmos atentamente nossa negligencia num assunto de tanta importância, é preciso ser-nos repetido muitas vezes o que já deveríamos ter compreendido.

Por isso, depois de ordenado que peçamos a Deus que abata e destrua por completo tudo o que mancha seu nome sacrossanto, acrescenta-se uma segunda petição, semelhante e quase idêntica à primeira: que venha o reino de Deus. Embora, já tenhamos explicado o que é esse reino, repeti-lo-ei agora em poucas palavras. Deus reina quando os homens, renunciando a si mesmos e menos-prezando o mundo e esta vida terrestre, submetem-se à justiça de Deus para aspirar à vida celestial.

E, por isso, esse reino consta de duas partes: uma é que Deus, com a virtude e potência de seu Espírito, corrija e domine todos os apetites da carne, que em tropel fazem a guerra; a outra, que forme todos os nossos sentidos para obedecerem seus mandamentos. Portanto, somente se atém a ordem legítima dessa petição aquele que começa por si mesmo, quer dizer, aquele que deseja ser limpo de toda corrupção que perturbe o sereno estado do reino de Deus e infecte sua pureza e perfeição.

E como a Palavra de Deus é tal qual um cetro real, somos ordenados aqui a pedirmos que domine o coração e o espírito de todos, para que voluntariamente lhe obedeçam; o que se verifica quando Ele os toca e move com uma secreta inspiração, dando-lhes a entender quão grande é o poder de sua Palavra, afim de ela ter a preeminência e ser considerada no grau de honra que lhe corresponde. Depois disso, é preciso aniquilar os ímpios, que, com obstinação e furor desesperados, resistem a seu império. Assim, Deus eleva seu reino abatendo o mundo todo, mas, de maneiras diversas, porque a uns doma suas lascívias, a outros quebra sua indômita soberba.

Logo, devemos desejar que, assim como no céu, Deus reúna todas as Igrejas, de todas as partes do mundo, multiplicando-as e aumentando-as em número, enriquecendo-as com seus dons e estabelecendo nelas boa ordem, e que, pelo contrário, derrube todos os inimigos da pura doutrina e religião, dissipe seus propósitos e abata suas empresas. Por isso se vê que, não sem causa, manda-nos desejar o contínuo progresso e aumento de seu reino, pois jamais as coisas dos homens vão tão bem que, limpas e despojadas de toda impureza dos vícios, floresçam e permaneçam em sua integridade e perfeição. Essa plenitude se estende até o último dia da vinda de Cristo, quando, como diz Paulo, ‘Deus seja tudo em todos’ (1Co 15:28).

E assim essa oração deve-nos afastar de todas as corrupções do mundo que nos separam de Deus, para que seu reino floresça entre nós, e deve, ao mesmo tempo, acender-nos em seu vivo desejo de mortificar nossa carne, e deve, por fim, ensinar-nos a levar com paciência nossa cruz, já que Deus quer propagar seu reino desse modo. E não nos deve pesar que o homem exterior se corrompa, contanto que o interior se renove; porque toda a condição do reino de Deus é tal que, quando nos submetemos à sua justiça. Ele nos faz partícipes de sua glória.

E isso se realiza quando, dia após dia, faz resplandecer mais sua luz e verdade, de modo que as trevas e mentiras de Satanás e de seu reino se dissipem, desvaneçam e destruam; quando o Senhor ampara os seus, guia-os com a assistência do Espírito pelo caminho reto, e os confirma na perseverança; e, ao contrário, quando destrói as ímpias conspirações dos inimigos, revela seus enganos, sai ao encontro de sua malícia e abate sua rebeldia, até que finalmente mate com o Espírito de sua boca o Anticristo, e destrua com o resplendor de sua vinda toda impiedade (2Ts 2:8).”…

João Calvino – A instituição da Religião Cristã – Tomo 2, Volume 2 – Editora Unesp, p.359-361


quinta-feira, 30 de maio de 2019

A Ação da Besta e a sua Ressurreição



A AÇÃO DA BESTA 

Enquanto continuamos desenvolvendo a imagem de João acerca da besta, descobrimos evidências adicionais a respeito de Nero vindo ao foco. Lê-se em Apocalipse 13.5,7: 

Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses. […] Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação.

Como ficamos sabendo pela leitura de Atos, o cristianismo não foi molestado pelo Império Romano durante seus primeiros anos. De fato, no final de Atos, Paulo chega a apelar a César para se proteger da perseguição judaica (At 25.11,12). Isso aconteceu mesmo nos primeiros dias do reinado de Nero. As coisas mudaram muito, no entanto, quando Nero lançou ataques aos cristãos na tentativa de desviar as suspeitas de ser ele o responsável pelo incêndio destrutivo e mortal que destruiu grande parte de Roma em 64 d.C.

O historiador romano Tácito (que nasceu no reinado de Nero) registrou a horrível perseguição que envolveu os cristãos em Roma:

Nero infligiu punições inauditas nos que, odiados por seus crimes abomináveis, eram geralmente chamados de cristãos (Ann. 15.44). 

Ele até fala do “imenso número” de cristãos assassinados por Nero. O cristão Clemente de Roma, que viveu nesse tempo, menciona “uma vasta multidão dos eleitos” que morreu sob Nero (1Clem 6). Sabemos que Pedro e Paulo foram executados nesse período.

Logo, a perseguição de Nero contra os cristãos — incluindo alguns dos maiores líderes — representou a “peleja” travada pela besta contra os santos a fim de vencê-los (Ap 13.7). Mas como deveríamos entender o período de “quarenta e dois meses” mencionados por João (Ap 13.5)?

Sabemos, pelos registros históricos, que o primeiro ataque de Nero contra os cristãos em Roma ocorreu em novembro de 64 d.C. Nero morreu no começo de junho de 68. Johann Lorenz von Mosheim, o grande historiador da igreja, resumiu esse período com estas palavras:

Principalmente, na série daqueles imperadores, dos quais a igreja se recorda com horror como seus perseguidores, destaca-se Nero, um príncipe cuja conduta para com os cristãos não admite atenuação, mas foi, até o último grau, desumana e caótica. A horrenda perseguição que se realizou por ordem desse tirano começou em Roma perto em meados de novembro do ano 64 de nosso Senhor… Essa horrenda perseguição só cessou com a morte de Nero. O império, como se sabe bem, não foi libertado da tirania desse monstro até o ano 68, quando ele deu fim à própria vida.

Assim, temos o período em que a besta pelejou contra os santos por quase 42 meses: de novembro de 64 até junho de 68. O encaixe é relevante e notável.

A RESSURREIÇÃO DA BESTA

Chego agora à parte da revelação que, muitos acreditam, coloca um obstáculo insuperável à interpretação de Nero/Roma como a besta do século I. Ironicamente, no entanto, essa revelação confirma a visão. A revelação que tenho em mente é a que envolve a morte e a ressurreição da besta: 

Então, vi uma de suas cabeças como golpeada de morte, mas essa ferida mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou, seguindo a besta (Ap 13.3). 

Como posso explicar esse conceito sem declarar que Nero morreu e foi ressuscitado dos mortos? É essa a objeção fatal da posição de Nero/Roma? 

Para interpretar com correção essa visão, devemos começar recordando-nos da identidade dupla da besta: ela pode transitar entre Roma (em sentido corporativo) e o governante de Roma (em sentido individual). Isto é, a besta representa os dois: o Império Romano como uma entidade política e Nero César como líder dessa entidade. Com isso em mente, notemos que o significado transita na visão, o que permite uma correspondência fascinante com a história do século I.

Nero governou Roma de 54 d.C. até a sua morte em 9 de junho de 68 d.C. Nas últimas semanas de vida, as destrutivas guerras civis romanas eclodiram. Em desespero, Nero suicidou-se quando as forças imperiais, sob a liderança do general Galba, estavam prestes a capturá-lo. O império foi lançado em convulsões devastadoras em sentido político e social. O historiador romano Tácito lamentou esse período negro na vida de Roma no século I:

A história em que estou entrando é de um período sobejo em desastres, terrível em batalhas, destroçado por conflitos civis, horrível mesmo na paz. Quatro imperadores caíram sob a espada; houve três guerras civis, mais guerras internacionais e, de modo geral, as duas coisas ao mesmo tempo. Houve sucesso no leste e infortúnio no oeste. O Ilírico foi transtornado, as províncias da Gália vacilaram, a Bretanha se rendeu e desistiu de imediato. Os sármatas e os suevos se levantaram contra nós; os dácios ganharam fama pelas derrotas infligidas e sofridas; até os partos quase pegaram em armas pelo charlatanismo de um pretenso Nero. Ademais, a Itália foi perturbada por desastres nunca vistos ou que voltaram após o lapso das eras. Cidades dos litorais férteis e ricos da Campânia foram tragadas ou arrasadas; Roma foi devastada por conflagrações, pelas quais os santuários mais antigos foram consumidos e o próprio Capitólio incendiado pelas mãos dos cidadãos. Sítios sagrados foram profanados; houve adultérios nos lugares altos. O mar se encheu de exilados, seus penhascos se contaminaram com os corpos dos mortos. Em Roma, houve mais crueldade medonha (Hist. 1.2,3). 

Com essa guerra civil caótica abalando os fundamentos do império, o mundo testemunha “os senhores da terra habitável” (War 4.3.10) sediados na “maior de todas as cidades” (War 4.11.5) sucumbindo em horrendos espasmos mortais. Como Tácito expressou:

Essa foi a condição do Estado romano quando Sérvio Galba, eleito cônsul pela segunda vez, e seu colega Tito Vínio iniciaram o ano que era para ser o último de Galba e, para o Estado, quase o fim (Hist. 1.11; grifo adicionado).

De acordo com Josefo, a morte de Nero suspendeu até a guerra judaica com Roma, quando o poderoso general Vespasiano e seu filho Tito cessam as hostilidades:

E agora, os dois estiveram em suspense sobre os afazeres públicos, estando o Império Romano, então, em uma condição instável; e não prosseguiram com a expedição contra os judeus, mas consideraram agora inoportuno empreender qualquer ataque contra estrangeiros, considerando o cuidado com o próprio país (War 4.9.2).

Os relatórios que chegaram até o campo de batalha em Israel são tão horríveis que lemos sobre Vespasiano: 

E seu pesar foi tão violento que ele não pôde suportar os tormentos que havia sobre ele, nem a se dedicar mais em outras guerras quando a sua terra natal estava desolada (War 4.10.2).

De fato, “Roma estava próxima da ruína” (War 4.11.5), de modo que “o Estado romano estava tão enfermo… [que] cada parte da terra habitável encontrava-se em uma condição indefinida e instável” (War 7.4.2).

Assim, depois do suicídio de Nero com a própria espada, parecia para o mundo que a poderosa Roma estava morrendo. João descreveu esse fenômeno como a besta recebendo uma ferida mortal em “uma de suas cabeças” (Ap 13.3). Mas então, o que acontece?

O famoso biógrafo romano Suetônio fala da ressurreição de Roma do estado de morte: 

O império que por muito tempo esteve indefinido e, assim, arrastando-se ao longo da usurpação e da morte violenta de três imperadores, foi por fim colocado sob controle e recebeu estabilidade da família Flaviana (Vesp. 1, grifo adicionado).

Josefo expressa a mesma surpresa com respeito à resiliência de Roma: 

Portanto, com a confirmação de todo o governo de Vespasiano, agora estabelecido, e a libertação inesperada dos deveres públicos romanos da ruína, Vespasiano voltou o pensamento para os insubmissos na Judeia (War 4.11.5; grifo adicionado).

Assim, depois de um período de penosas guerras civis, o império reviveu, para a perplexidade do mundo que agora retornava ao domínio de Roma. Como João afirmou: “Então, vi uma de suas cabeças como golpeada de morte, mas essa ferida mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou, seguindo a besta” (Ap 13.3), dizendo: “Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” (Ap 13.4b).

Isso, sem dúvida e de modo notável confirma o ponto de vista que aponta para Nero/Roma.

CONCLUSÃO

Estou convencido: da mesma forma que “todos os caminhos levam a Roma” , também toda a evidência da besta leva a ela. A evidência apresenta não só uma adequação notável (mesmo onde não esperaríamos), mas uma adequação relevante: Nero vive em um período que se encaixa (Ap 1.1,3). Seu império parece surgir do mar, da perspectiva de Israel (13.1). O Império Romano possui incrível autoridade política e poderio militar (13.2,4). Nero, como a sexta cabeça de Roma, aparece em cena na cronologia dos imperadores (17.10) e apresenta o caráter de um homem bestial (13.5,6,8).

Até o nome de Nero se encaixa no misterioso número da besta (Ap 13.18). Quando a besta “peleja contra os santos” , não ficamos surpresos ao saber que Nero foi o primeiro perseguidor imperial da igreja (13.7) — e pela exata duração indicada em Apocalipse (13.5). Pode-se até aplicar o aspecto mais improvável da profecia de João a Nero e ao Império Romano: a morte e a ressurreição da besta (13.3).


 Kenneth L. Gentry Jr.  Apocalipse para leigos — você pode entender a profecia bíblica —. pg: 103 - 111

sábado, 25 de maio de 2019

O caráter da Besta e o seu Número




O CARÁTER DA BESTA

João chama a besta por um termo derrogatório que reflete seu caráter maligno: “besta” (Ap 13.1). A imagem da “besta” com certeza indica que ele possuía um caráter mau. João apresenta essa besta como o composto de três carnívoros amedrontadores:

A besta que vi era semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão. (Ap 13.2a)

Esses animais seriam aterrorizantes para qualquer conhecedor das arenas romanas onde homens e mulheres eram cruelmente “jogados aos leões” e outras feras.

Sem dúvida, Nero possuía um caráter imoral e bestial. Ele matou a própria mãe, o irmão, a tia e a esposa — além de muitos cidadãos romanos eminentes. Ele era conhecido por amarrar escravos em postes, vestir-se na pele de um leão e atacá-los e estuprá-los (Suetônio, Nero, 29). Era temido e odiado pelo próprio povo. A leitura da literatura antiga demonstra que Nero “era de uma brutalidade cruel e irrestrita”.

Tácito, o famoso historiador romano do século II, fala da “natureza cruel” de Nero que “condenou à morte tantos homens inocentes” (Hist. 4.7,8). O naturalista romano Plínio, o Velho, descreve Nero como “o destruidor da raça humana” e “o veneno do mundo” (Nat. Hist. 7.45; 22.92). O satirista romano Juvenal lamenta a “tirania cruel e sangrenta de Nero” (Sat. 7.225). Em outro lugar, ele chama Nero de “tirano cruel” (Sat. 10.306). No século I, Apolônio de Tiana até chama Nero de “besta” (registrado em Filostrato, Vit. 4.38).

Não só a besta é imoral e selvagem, mas é também presunçosamente blasfema:

Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu [...] e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. (Ap 13.5,6,8)

Nero cunhou moedas com uma imagem da própria cabeça lançando raios do sol. Com essa manobra, ele intencionalmente imitou o poderoso deus sol romano Apolo. Uma inscrição em Atenas o louva como “o todo-poderoso Nero César Sebasto, o novo Apolo”. 

Em 66 d.C., Tirídates, rei da Armênia, aproximouse de Nero em adoração, de acordo com o historiador romano Dião Cássio, do século II:

De fato, os procedimentos da conferência não foram limitados a meras conversas, mas uma plataforma elevada havia sido erigida na qual encontravam-se imagens de Nero e, na presença de armênios, partos e romanos, Tirídates aproximou-se e prestou-lhes reverência; então, após sacrificar a elas e chamá-las por nomes laudatórios, ele tirou o diadema de sua cabeça e colocou-o sobre elas. Tirídates publicamente prostrou-se diante de Nero, que estava assentado sobre a tribuna no fórum: “Mestre, eu sou o descendente de Arsaces, irmão dos reis Vologaesus e Pacorus, e teu escravo. E vim a ti, meu deus, para adorar-te como faço com Mitra. A sina que traçaste para mim será minha; pois tu és minha sorte e meu destino”. 

Com certeza Nero se adequa ao caráter de uma “besta”.

O NÚMERO DA BESTA

Sem dúvida, o aspecto mais conhecido do imaginário da besta no Apocalipse é o número “666”:

Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis. (Ap 13.8)

O que esse número significa? E como ele nos ajuda a identificar a besta do Apocalipse?

Antes de mostrar como esse número aponta para Nero, devo comentar sobre o número em si encontrado no Apocalipse. Alguns populistas modernos tentam encontrar a besta no mundo contemporâneo mediante a procura da série de três números seis em conjunto. Alguns anos atrás, uma teoria sugeriu que o presidente Reagan era a besta porque cada um dos seus três nomes era composto de seis letras: Ronald Wilson Reagan. Alguns propõem que ele consista em um código de computador baseado nesses três dígitos. Outros declaram que refere-se ao Mark VI Personal Identity Verifier usado em leituras biométricas da mão humana. Ou os códigos de barra, que começam com o código para “6” , têm uma barra central representando o “6” , e finalizam o código de barras com as linhas representando o “6” de novo.

Esses palpites perdem a leitura exata do Apocalipse. João não afirma que essa marca envolve uma série de três seis. No grego de Apocalipse 13.18, o número realmente é “seiscentos e sessenta e seis” , e não “seis seis seis”. Várias traduções deixam isso claro ao escrever o valor no formato alfabético, em vez de em algarismos (Almeida Revista e Atualizada, Nova Versão Internacional, Almeida Século 21, Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Tradução Brasileira, Nova Almeida Atualizada). Uma série de seis não tem nada a ver com o número da besta. Na verdade, o número é o valor total: seiscentos e sessenta e seis, uma soma aritmética específica.

Enquanto tentamos decifrar o significado de João, devemos ter em mente que o sistema numérico arábico, tão conhecido por nós, não fazia parte do mundo antigo. Ele foi, na verdade, importado pela cultura ocidental no século XII. Antes dessa época, os alfabetos tinham duas funções: não eram apenas alfabetos, mas sistemas de enumeração (considere os números romanos que você conhece). Muitos dicionários bíblicos observam essa prática em relação às línguas bíblicas antigas na palavra principal: “Números, numerais”.

Continuando nossa busca pela identidade do que está escondido por trás do valor do número “seiscentos e sessenta e seis” , devemos nos lembrar de que João era judeu, e ele escrevia sobre o juízo divino contra os judeus. Em adição, devemos reconhecer que o Apocalipse é o livro mais hebraico do Novo Testamento, contendo marcas de imagens visuais traçadas no Antigo Testamento, com centenas de referências literárias a versículos do Antigo Testamento, e uma forma hebraica de grego diferente de qualquer outro registro do Novo Testamento.

Se fizermos a suposição razoável de que o hebraico seja a língua para procurarmos o significado do número da besta, chegaremos à mesma conclusão que outras linhas de evidência sugerem: a besta é Nero César. A soletração do seu nome em hebraico do século I era nrwn qsr (pronunciado: “Neron Kesar”). Alguns arqueólogos documentaram esse modo de soletrar em hebraico, que apresenta o valor exato “seiscentos e sessenta e seis”. O léxico de Jastrow do Talmude contém essa mesma escrita. A forma hebraica do nome de Nero é escrita: Nrwn Qsr. A valoração numérica desse modo de soletrar é a seguinte:

n = 50 r = 200 w = 6 n = 50 q = 100 s = 60 r = 200

A soma dessas letras resulta no número 666. Muitos acadêmicos bíblicos reconhecem esse nome como “a solução mais provável” do problema. E por que não? O nome “Nero César” não apenas se encaixa em sentido numérico, como a pessoa de Nero se adequa no contexto do drama de João.  

Mas agora: e quanto à besta impondo sua marca aos homens?

A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. (Ap 13.16,17)

Ao responder essa pergunta, devemos recordar a natureza simbólica do Apocalipse e as imagens paralelas em seu interior que parecem se basear em uma prática do Antigo Testamento.

Em primeiro lugar, marcar homens a serviço da besta não é um sinal mais literal que marcar os servos do Cordeiro na próxima cena: 

Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai. (Ap 14.1)

Em segundo lugar, essa marca parece uma metáfora sobre o domínio e o controle exercidos pela fonte da marca. Em Apocalipse 13, ninguém pode comprar nem vender sem a marca. Isto é, todos os súditos do Império Romano estão sob o domínio do imperador, que, na realidade, detém o sustento deles em suas mãos.

Em terceiro lugar, na exigência da besta por adoração (Ap 13.4,8), assim demonstrando suas presunções divinas, João apresenta essa alegação pretenciosa de soberania contra o pano de fundo de Antigo Testamento. Esse livro bastante orientado pelo Antigo Testamento usa a marca na mão direita e na fronte com imagem oposta à que Deus exigiu de seu povo a respeito da lei por ele concedida: 

Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração. […] Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. (Dt 6.6,8)

Isso é sublinhado pelo fato descrito antes: o versículo seguinte apresenta os servos do Cordeiro com uma marca na testa.

Em quarto lugar, qualquer marca dos dias de hoje contraria o significado do curto prazo dado de João (Ap 1.1,3; 22.6,10), a relevância para os cristãos perseguidos do século I (Ap 1.9; 3.10; 6.9-11; 12.4- 6,17), o tema apresentando o juízo contra Israel (Ap 1.7) e a conexão da besta com a era dos primeiros sete imperadores de Roma (Ap 17.9,10). Logo, a procura da marca nos dias de hoje contraria o contexto.

Como consequência, com esse imaginário da marca João está ensinando que a besta (Nero) desempenhará suas pretensões divinas, agindo como soberano absoluto sobre a vida e o destino dos súditos. Ela não imporá uma marca mais literal em seus súditos do que Cristo nos seus. Isso é imaginário fantasioso, não realidade literal.


 Kenneth L. Gentry Jr.  Apocalipse para leigos — você pode entender a profecia bíblica —. pg: 97 - 102