google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada : março 2020

quinta-feira, 5 de março de 2020

Escatologia de Acordo com Ulrico Zuínglio e Martin Bucer




Embora Ulrico Zuínglio, de Zurique (1484–1531) e Martin Bucer, de Estrasburgo (1491-1551), da primeira geração de reformadores, tenham sido ofuscados dentro da tradição reformada por Calvino, eles merecem uma breve menção. À semelhança do que fez Lutero nos anos iniciais de sua carreira, Zuínglio também questionava a canonicidade de Apocalipse, e, seguindo Lutero e Calvino, rejeitava inflexivelmente a doutrina romana do purgatório, chamando-a de “invenção sem fundamento”. Assim como Calvino, Zuínglio afirmava que a doutrina anabatista do sono da alma era contrária à Escritura e que ela“ contradiz toda a razão”. E, no artigo 12 de Ratio Fidei (1530), afirmou a existência do inferno como um lugar de castigo eterno, tanto contra a visão romana do purgatório como sobre o ensino de vários grupos anabatistas de que Deus concederia o perdão universal no tempo do fim.

Martin Bucer publicou o texto mais importante da era da Reforma sobre a teologia política, mas com importantes implicações escatológicas: De Regno Christi [O reino de Cristo], em 1550. Neste volume, Bucer definiu o reino de Cristo da seguinte maneira: O reino de nosso Salvador Jesus Cristo é aquela administração e cuidado da vida eterna dos eleitos de Deus, à qual esse mesmo Senhor e Rei dos Céus, por sua doutrina e disciplina, administrada por ministros adequados escolhidos para esse exato propósito, reúne a si seus eleitos, aqueles dispersos pelo mundo que são seus, mas que ele, ainda assim, quis que estivessem sujeitos aos poderes deste mundo. Ele os incorpora a si e à sua igreja, e assim os governa nela, os quais, purgados mais plenamente, dia a dia, de pecados, vivam bem e felizes tanto aqui como no tempo vindouro.

A distinção que Bucer faz entre o reino de Cristo e os poderes do mundo tem uma forte semelhança formal com a distinção de “dois reinos” feita por Lutero entre o reino de graça (reino de Cristo) e o reino de poder (o reino civil). No entanto, segundo Bucer, esses dois reinos estão unidos como o corpo de Cristo mediante a Palavra e o Espírito. Como tal, o reino de Cristo é “ visível e efetivamente realizado na Igreja na Terra, e, pela obediência ao testemunho da igreja, também no Estado”. A maneira pela qual os eleitos de Deus são incorporados ao corpo de Cristo, sua eleição para a salvação será evidente no desenrolar contínuo da história no meio das potências mundanas conforme eles“ vivem bem e felizes” até aquele tempo em que Jesus Cristo retorna para consumar seu reino que está sempre se revelando. Para Lutero, por outro lado, esse reino vem pelo ato de proclamar o evangelho, não por seus efeitos.

Em exílio na Inglaterra à época – Bucer havia se tornado Régio Professor de Divindade em Cambridge, em 1549, a convite de Thomas Cranmer (1489–1556), quando este fora exilado de Estrasburgo – e sua obra De Regno foi concebida como um modelo para a reforma na Inglaterra. O livro foi apresentado ao jovem rei Eduardo VI quando de sua publicação, em 1551, mas ambos morreram pouco depois: Bucer no mesmo ano e Eduardo em 1553. Sem dúvida, a morte precoce de Eduardo afetou negativamente a intenção anterior de Bucer de prover uma base teológica para o trabalho em andamento de reforma cívica na Inglaterra.

Embora não seja uma obra de escatologia per se, De Regno, ilustra o pensamento antiapocalíptico de grande parte da antiga tradição reformada, que considerava que o futuro reino de Jesus Cristo se realiza na contínua atividade de Deus por meio da igreja e de sua missão divinamente designada de pregar, administrar os sacramentos e disciplinar seus membros. Essa fidelidade, por sua vez, leva à consequente transformação da sociedade na qual a igreja é fiel a sua missão. Quando o reino de Cristo é definido nesses termos (ou similares), a escatologia se torna uma preocupação atual, além de uma esperança futura.39 Esse sentimento foi ecoado por Calvino, que observou: “O primeiro efeito do reino de Deus é domar os desejos de nossa carne. E agora, conforme esse reino aumenta, passo a passo, até o fim do mundo, devemos orar cada dia por sua vinda”.

Ao nos voltarmos para as opiniões escatológicas distintivas de Lutero e Calvino, não devemos perder
de vista o fato de que as opiniões desses reformadores sobre tais assuntos são substancialmente as mesmas. Ambos se enquadram na designação moderna de amilenistas (isto é, que os mil anos de Apocalipse 20 são uma descrição da era atual até o retorno do Senhor, não uma esperança escatológica futura, como no pré e no pós-milenismo), e ambos viam o segundo advento de Jesus Cristo, a ressurreição corporal no fim dos tempos e a libertação dos cristãos do julgamento escatológico final de Deus como a única segura e certa esperança do cristão no meio das lutas desta vida. É à luz de tão grande medida de concordância que podemos discutir seus distintivos escatológicos.

Ao mesmo tempo em que reconhece que a “linha [que os separa] não deve ser desenhada de forma muito acentuada”, Torrance observa que suas diferenças surgem em parte por conta das circunstâncias históricas e porque recorreram a fontes diferentes dentro da tradição cristã. O foco escatológico de Lutero, diz Torrance, centrou-se no julgamento final, ao se basear em certos pais da igreja latina, como Cipriano, que estavam preocupados com “a decadência e o colapso do mundo”. A ênfase de Calvino estava mais na ressurreição do corpo e no reordenamento do mundo, recorrendo à ênfase dos pais gregos sobre a encarnação como a base para a renovação de todas as coisas. Embora a afirmação de Torrance acerca dos discerníveis pedigrees intelectuais latino-gregos de Lutero e Calvino seja discutível, considero correta em sua maior parte a percepção de Torrance sobre a diferença de ênfase entre os dois reformadores.


Barrett, Matthew. Teologia da Reforma /tradução Francisco
Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p: 1795 - 1801