google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada : fevereiro 2020

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Oséias 6.7



A segunda passagem em que o termo “aliança” pode ser aplicado à ordem da criação declara que o povo de Israel, “como Adão”, transgrediu a aliança.

Essa declaração pode ser entendida basicamente de três maneiras diferentes.

Em primeiro lugar, tem sido sugerido que “Adão” deve ser entendido como um lugar. “Em Adão” Israel quebrou a aliança.

Essa interpretação é difícil de ser sustentada. Somente puras suposições podem prover ocasião concreta de pecado nacional em Adão, localizado sobre o Jordão, cerca de 12 milhas ao norte de Jericó. A narrativa do refluxo do Jordão até Adão não faz referência a um pecado por parte de Israel (cf. Js 3.16).

Além disso, essa interpretação pareceria requerer uma emenda ao texto massorético. O texto como se encontra não diz “em Adão” mas “como Adão”.

A interpretação mais tradicional vê na frase “como Adão” uma referência explícita ao pecado do primeiro homem. Essa interpretação é a mais direta, e oferece menor numero de dificuldades. Assim como Adão transgrediu o arranjo da aliança estabelecida pela criação, assim Israel transgrediu a aliança ordenada no Sinai.

O terceiro modo possível de se ler essa frase sugere que Israel quebrou a aliança “como homem” ou “como humanidade”. “À semelhança dos homens”, Israel quebrou a aliança.

É difícil decidir entre estas ultimas duas interpretações. Mas em qualquer dos casos, algo estaria implicado a respeito do relacionamento do homem não-israelita com o seu Deus criador.

O ponto focal da passagem repousa numa comparação. O homem israelita (cf v. 4: “Efraim e Judá”) no seu relacionamento com Deus é comparado ao homem não-israelita na sua relação com Deus. Israel transgrediu a aliança. Quanto a isso, Israel é “como o homem” em geral ou “como Adão” em particular. Em qualquer dos dois casos, estaria implicado que uma relação de aliança existia entre Deus e o homem não-israelita. Como o homem não-israelita quebrou a aliança, assim o israelita a quebrou.

Em que sentido pode-se afirmar que o homem não-israelita permanece numa relação de aliança com Deus que pode ser quebrada? Não há nas Escrituras nenhuma menção a uma aliança especifica com o homem fora de Israel, exceto a aliança de Deus com Noé, à qual falta ênfase adequada aos elementos específicos de obrigação de aliança para Oséias dizer com clareza convincente que o homem “quebrou” a aliança.

Oséias evidentemente pretende sugerir que Deus estabeleceu uma relação de aliança com o homem fora de Israel mediante a criação. Se “Adão” é tomado individualmente, o termo se referia ao homem representativo original. Sua violação da aliança se referiria à falha especifica do teste de prova descrito nos primeiros capítulos de Gênesis. Se “Adão” é tomado genericamente, o termo se referiria a uma obrigação de aliança mais ampla que caiu sobre o homem quando lhe foram dadas responsabilidades solenes no mundo de Deus pela criação. Em qualquer desses dois casos, Oséias 6.7 pareceria aplicar terminologia de aliança ao relacionamento de Deus com os homens, estabelecido pela criação.

Para resumir o argumento a favor de ver a relação de Deus com o homem antes de Noé como tendo caráter de aliança, a despeito da ausência do uso explicito do termo “aliança” nos primeiros capítulos de Gênesis, dois pontos foram notados até aqui: primeiro, o relacionamento de Deus com Davi não foi referido como tendo caráter de “aliança” originalmente, mas, não obstante, teve caráter de aliança em substância; e, em segundo lugar, Jeremias 33.20ss e Oséias 6.7 claramente se referem ao relacionamento criador original de Deus em termos de aliança.

Em terceiro lugar, os elementos essenciais à existência de uma aliança estavam presentes no relacionamento de Deus com o homem antes de Noé, a despeito da ausência do termo “aliança” nos primeiros capítulos da narrativa de Gênesis. É a presença desses elementos que, afinal de contas, é determinante para a questão. As profecias messiânicas aparecem na Escritura muito antes de ocorrer o termo “messias”. As realidades do Reino de Deus na terra manifestam-se milhares de anos antes dos temos “rei” e “reino” aparecerem nas Escrituras para designar o relacionamento de Deus com a sua criação.

A mesma situação prevalece com relação ao termo “aliança”. Se os elementos essenciais para a caracterização de uma relação como de “aliança” estão presentes, o relacionamento sob consideração pode ser designado como tendo caráter de aliança, a despeito da ausência formal do termo.

E é exatamente essa circunstância que aparece nos primeiros capítulos de Gênesis. Um vínculo de vida e morte está claramente presente entre Deus e o homem recentemente criado (Gn 2.15-17). Se Adão se abstivesse de comer o fruto proibido, viveria. Se, porém, comesse da arvore do conhecimento do bem e do mal, morreria. Esse relacionamento de Deus com o homem é soberanamente administrado.

Subsequentemente, um vínculo de vida e morte foi estabelecido entre Deus e o homem depois da queda no pecado. De modo soberano, o Senhor obrigou-se a estabelecer inimizade entre a semente da mulher e a semente de Satanás (Gn 3.15). Esse compromisso divino fixou o palco para uma luta de vida e morte. O vínculo de Deus com o homem decaído resultou em vida para a semente da mulher e em morte para a semente de Satã.

A presença de todos os elementos essenciais à existência de uma aliança nesses relacionamentos de Deus com o homem antes de Noé fornece base adequada para a designação dessas circunstâncias como “aliança”. Embora o termo “aliança” possa não aparecer, a essência de uma relação de aliança certamente está presente.

Essencialmente, é essa substância basicamente relativa à aliança do status criado do homem que justifica o uso da terminologia relativa à aliança para descrever o relacionamento do homem com Deus antes de Noé. Em total soberania, Deus estabeleceu uma relacionamento. Esse relacionamento envolvia um compromisso de vida e morte.

Pela criação, Deus une-se ao homem em relação de aliança. Depois da queda do homem no pecado, o Deus de toda a criação graciosamente uniu-se ao homem outra vez mediante a promessa de redimir um povo para si mesmo da humanidade perdida. Da criação à consumação, o vínculo da aliança tem determinado a relação de Deus com o seu povo. A extensão das alianças divinas vai do princípio do mundo ao fim dos tempos.


Cristo dos Pactos / O. Palmer Robertson. Trad. Américo J. Ribeiro. Campinas - SP: Luz Para o Caminho, 1997. pg: 23-25

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Lutero e Calvino Como Figuras-Chaves na Escatologia



Antes de considerar as respectivas visões escatológicas de Martinho Lutero e de João Calvino, é importante explicar por que limitamos o escopo deste capítulo a Lutero e Calvino como representantes da “escatologia dos reformadores”. Há três razões para fazer isso. A primeira é que Martinho Lutero (nascido em 10 de novembro de 1483) e João Calvino (nascido em 10 de julho de 1509) são representativos das duas primeiras gerações de reformadores. Lutero era 26 anos mais velho que Calvino e representa a primeira geração dos envolvidos no trabalho de reforma (incluindo Philip Melanchthon, Ulrico Zuínglio e Martin Bucer), enquanto a vida e o trabalho de Calvino foram conduzidos sob a enorme sombra do marco evangélico de Lutero de outubro de 1517.

A segunda razão é que os dois homens tinham temperamentos completamente diferentes e trabalhavam em circunstâncias diferentes. Lutero era um reformador no verdadeiro sentido do termo, dedicando sua vida à pregação, ao ensino e à escrita. É bem conhecida a luta de Lutero com um profundo conflito interior (Anfechtungen) em uma vida presa entre o medo existencial da ira eterna de Deus e a bem-aventurada boa-nova do evangelho pela qual o Espírito Santo uniu os cristãos a Jesus Cristo, cuja vitória sobre o pecado e a sepultura em sua cruz e na ressurreição era a única verdadeira esperança, tanto nesta vida como na vindoura. Lutero escreveu: Quanto mais tempo o mundo permanece, pior fica. […] Quanto mais pregamos, menos atenção as pessoas dão, […] empenhadas em aumentar a maldade e a miséria a uma velocidade esmagadora. Nós clamamos e pregamos contra isso. […] Mas de que serve? No entanto, faz o bem de podermos esperar que o último dia chegue em breve. Então, os ímpios serão lançados no inferno, mas obteremos a salvação eterna nesse dia. […] Assim, podemos esperar confiantemente que o último dia não está longe.

Calvino, o pastor, também lutou com um profundo sentimento de desespero, expresso em uma notável seção das Institutas dedicada à “meditação sobre a vida futura”. Ele exortou os cristãos a desistirem de todos os acréscimos indevidos às coisas deste mundo, que empalideciam à luz do vindouro. Ao mesmo tempo, as lutas associadas à vida em um mundo caído também devem ser consideradas à luz da esperança inabalável dada por Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos e sua ascensão à destra do Pai, aos cristãos que estão nesse conflito. Calvino disse: “Quando, pois, com nossos olhos fixos em Cristo esperamos pelo céu, e nada na terra os impede de nos levar à bem-aventurança prometida, a declaração é verdadeiramente cumprida, de que ‘onde está nosso tesouro, aí nosso coração está’ [Mateus 6:21]”. Calvino escreveu que os cristãos devem esperar pacientemente a restauração final de todas as coisas no retorno de Cristo, assim como uma sentinela fielmente guarda seu posto até ser chamada de volta por seu comandante. Ele descreveu essa luta como viver no exílio, longe de sua pátria amada: Que o objetivo dos cristãos em julgar a vida mortal seja que, embora compreendam que ela não é nada mais do que miséria, entreguem-se, com maior zelo e prontidão, inteiramente a meditar na vida eterna que está por vir. Quando se chega a essa comparação com a vida futura, a vida presente não só pode ser seguramente negligenciada, mas, em comparação com a primeira, deve ser totalmente desprezada e detestada. Pois, se o céu é nossa pátria, o que mais é a terra senão nosso lugar de exílio?

Em seu comentário sobre a Primeira Carta de Paulo a Timóteo, Calvino acrescentou: “O único remédio para todas essas dificuldades é olhar para a manifestação de Cristo e sempre confiar nela”. Os exilados perseveraram em sua peregrinação por manter sempre em vista a alegria de voltar para casa.

A terceira razão é que esses dois reformadores são as figuras seminais nas duas maiores tradições da Reforma: a luterana e a reformada. Embora certamente tenha havido desenvolvimentos teológicos em ambas as tradições, como o fato de a tradição luterana ter modificado para um “sono" o entendimento de Lutero sobre o estado intermediário, ambos os reformadores estão no nascedouro (ou no caso específico de Calvino, próximo deste) de tradições dogmáticas confessionais e eclesiásticas de quase quinhentos anos que estão identificadas com eles. Lutero e Calvino servem como representantes aptos da escatologia dos reformadores.


Matthew Barrett. Teologia da Reforma. Tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. pg 1791-1795