google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada : julho 2019

terça-feira, 30 de julho de 2019

As Duas Testemunhas


                                                                     
Se as duas testemunhas foram mortas pela besta (Ap 11.7), não há dúvidas que já estavam ativas no primeiro século. Compreender a relação entre os mártires e a destruição de Jerusalém e do templo é a chave para compreender a visão das duas testemunhas. Israel é descrita no Apocalipse na figura de uma mulher adultera-prostituta que havia traído seu Deus-marido com a besta-Roma. Sendo assim, a nação se tornou passiva de pena capital por adultério (cf. Lv 20.10, Dt 22.22-24). No caso da execução da adultera Israel, as testemunhas eram a Igreja perseguida e mártir[1]. Eles eram testemunhas da iniquidade de Israel e por isso foram instrumentos para sua execução (Ap 6.9, 8.3-5).

O número dois aponta para o fato de que eram necessárias pelo menos duas testemunhas para que qualquer pena capital fosse aplicada: “Pela boca de duas ou de três testemunhas, será morto o que houver de morrer; pela boca duma só testemunha não morrerá”. (Dt 17.6) O significado primário do número dois é simplesmente dizer que a Igreja do primeiro século seria como testemunhas no tribunal celestial para a execução da Israel que era como uma mulher adultera. Todavia, devemos considerar também que o número dois aponta para o padrão estabelecido por Jesus para que o Evangelho fosse pregado a Israel:

“Depois disso designou o Senhor outros setenta, e os enviou adiante de si, de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir. E dizia-lhes: Na verdade, a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos; rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Ide; eis que vos envio como cordeiros ao meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e a ninguém saudeis pelo caminho. Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz seja com esta casa. E se ali houver um filho da paz, repousará sobre ele a vossa paz; e se não, voltará para vós.

Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que eles tiverem; pois digno é o trabalhador do seu salário. Não andeis de casa em casa. Também, em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei do que puserem diante de vós. Curai os enfermos que nela houver, e dizer-lhes: É chegado a vós o reino de Deus.

Mas em qualquer cidade em que entrardes, e vos não receberem, saindo pelas ruas, dizei: Até o pó da vossa cidade, que se nos pegou aos pés, sacudimos contra vós. Contudo, sabei isto: que o Reino de Deus é chegado. Digo-vos que naquele dia haverá menos rigor para Sodoma, do que para aquela cidade”. 
                                                                                (Lucas 10.1-12)

Aqui Jesus fala dos discípulos sendo enviados de dois em dois e recebendo poder até mesmo para fazer descer do céu o juízo de Deus sobre aqueles que não recebessem a pregação, o mesmo que vemos com as duas testemunhas (Ap 11.6). É importante notar também que Jesus relaciona tais cidades rebeldes com Sodoma da mesma maneira que acontece na visão das duas testemunhas (Ap 11.8). Nos Atos dos Apóstolos vemos este mesmo padrão sendo seguido pelos apóstolos. Pedro e João curaram o homem coxo de nascença na porta do templo (At 3.1-8), testemunharam para os israelitas (At 3.12-26) e depois para os principais sacerdotes e anciãos (At 4.1-23). Depois os dois foram chamados de Jerusalém para orarem pela descida do Espírito Santo sobre os samaritanos (At 8.14-17). Posteriormente, lemos sobre como Paulo e Barnabé foram companheiros ministeriais, sendo reconhecidos como as colunas do apostolado dos gentios (Gl 2.9).

O Apocalipse diz também que as duas testemunhas “são as duas oliveiras e os dois candeeiros que estão diante do Senhor da terra”. (Ap 11.4) É importante perceber que ele diz são (no tempo presente) porque as “duas testemunhas” já estavam em plena atividade quando o Apocalipse foi escrito. A comparação lembra as palavras de Zacarias:

“Falei mais, e lhe perguntei: Que são estas duas oliveiras à direita e à esquerda do castiçal? Segunda vez falei-lhe, perguntando: Que são aqueles dois ramos de oliveira, que estão junto aos dois tubos de ouro, e que vertem de si azeite dourado? Ele me respondeu, dizendo: Não sabes o que é isso? E eu disse: Não, meu senhor. Então ele disse: Estes são os dois ungidos, que assistem junto ao Senhor de toda a terra”.
                                                                                (Zacarias 4.11-14)

Os dois ungidos do livro de Zacarias eram Josué – o sacerdote – e Zorobabel – o rei (Zc 3-4; cf. Ed 3,5-6; Ag 1-2). Mas o Apocalipse começa mencionando que estes dois ofícios se cumpriram em Jesus Cristo (Ap 1.5) e por extensão na Igreja como um todo (Ap 1.6). Por isso as testemunhas são identificadas desta forma. A Igreja possui o sacerdócio real.

Sobre o poder da Igreja, o texto diz:

“E, se alguém lhes quiser fazer mal, das suas bocas sairá fogo e devorará os seus inimigos; pois se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja morto. Elas têm poder para fechar o céu, para que não chova durante os dias da sua profecia; e têm poder sobre as águas para convertê-las em sangue, e para ferir a terra com toda sorte de pragas, quantas vezes quiserem”. 
                                                                                (Apocalipse 11.5-6)

O fogo saindo da boca equivale ao que foi dito ao profeta Jeremias:

“Dai voltas às ruas de Jerusalém, e vede agora, e informai- vos, e buscai pelas suas praças a ver se podeis achar um homem, se há alguém que pratique a justiça, que busque a verdade; e eu lhe perdoarei a ela… Portanto assim diz o Senhor, o Deus dos exércitos: 

Porquanto proferis tal palavra, eis que converterei em fogo as minhas palavras na tua boca, e este povo em lenha, de modo que o fogo o consumirá. Eis que trago sobre vós uma nação de longe, ó casa de Israel, diz o Senhor; é uma nação durável, uma nação antiga, uma nação cuja língua ignoras, e não entenderás o que ela falar”. 
                                                                                (Jeremias 5.1,14-15)

“Não é a minha palavra como fogo, diz o Senhor, e como um martelo que esmiúça a pedra?” 
                                                                                (Jeremias 23.29)

Não devemos entender com isso que Deus literalmente transformou as palavras de Jeremias em fogo ou que o povo de Israel foi literalmente transformado em lenha. Deus estava simplesmente dizendo que os oráculos de Jeremias trariam juízo sobre o povo. No contexto de Jeremias, isso se cumpriu por meio do Império Babilônico. Com base nisso, devemos entender que o fogo saindo da boca das duas testemunhas no Apocalipse se refere aos seus oráculos que trariam juízo sobre Israel da mesma forma que havia acontecido no tempo de Jeremias. A Igreja tem um ministério profético de proclamar a Palavra de Deus como teve Jeremias. Da mesma maneira, “o poder para fechar o céu, para que não chova durante os dias da sua profecia” e o “poder sobre as águas para convertê-las em sangue, e para ferir a terra com toda sorte de pragas, quantas vezes quiserem” (Ap 11.6) tem como objetivo comparar o ministério profético da Igreja com Elias e Moisés. Isto se cumpriu à medida que o juízo de Deus caiu contra seus perseguidores em resposta as orações dos santos. O que Jeremias, Elias e Moisés fizeram em sua própria época, a Igreja fez no primeiro século e precisa fazer mais uma vez agora:

“Então estendeu o Senhor a mão, e tocou-me na boca; e disse- me o Senhor: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca. Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares; e também para edificares e plantares”. 
                                                                                (Jeremias 1.9-10)

O texto fala também de como a Igreja seria perseguida e morta pela besta:

“E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra e as vencerá e matará. E jazerão os seus corpos na praça da grande cidade, que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado”.
                                                                                (Apocalipse 11.7-8)

O que é dito aqui é equivalente ao que é dito no capítulo 13:

“Também lhe foi permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe autoridade sobre toda tribo, e povo, e língua e nação”. 
                                                                                (Apocalipse 13.7)

A vitória é real, mas é temporária e não é final. Os mártires foram perseguidos, maltratados e mortos. Mas por meio da morte, eram transportados ao céu – o templo de Deus – para estarem com o Cordeiro:

“… segundo a minha ardente expectativa e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a ousadia, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro… tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor”.
                                                                                (Filipenses 1.20-23)

“Disse-me ele: Estes são os que vêm de grande tribulação, e levaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro. Por isso estão diante do trono de Deus, e o servem de dia e de noite no seu santuário; e aquele que está assentado sobre o trono estenderá o seu tabernáculo sobre eles. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem cairá sobre eles o sol, nem calor algum; porque o Cordeiro que está no meio, diante do trono, os apascentará e os conduzirá às fontes das águas da vida; e Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima”. 
                                                                                (Apocalipse 7.14-17)

“E vi como que um mar de vidro misturado com fogo; e os que tinham vencido a besta e a sua imagem e o número do seu nome estavam em pé junto ao mar de vidro, e tinham harpas de Deus. E cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso; justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos. Quem não te temerá, Senhor, e não glorificará o teu nome? Pois só tu és santo; por isso todas as nações virão e se prostrarão diante de ti, porque os teus juízos são manifestos”.
                                                                                (Apocalipse 15:2-4)

A visão das duas testemunhas descreve o martírio e a vitória celestial da Igreja:

“E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra e as vencerá e matará. E jazerão os seus corpos na praça da grande cidade, que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado.
Homens de vários povos, e tribos e línguas, e nações verão os seus corpos por três dias e meio, e não permitirão que sejam sepultados. E os que habitam sobre a terra se regozijarão sobre eles, e se alegrarão; e mandarão presentes uns aos outros, porquanto estes dois profetas atormentaram os que habitam sobre a terra. E depois daqueles três dias e meio o espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles, e puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os viram. E ouviram uma grande voz do céu, que lhes dizia: Subi para cá. E subiram ao céu em uma nuvem; e os seus inimigos os viram.
   E naquela hora houve um grande terremoto, e caiu a décima parte da cidade, e no terremoto foram mortos sete mil homens; e os demais ficaram atemorizados, e deram glória ao Deus do céu”.
                                                                                 (Apocalipse 11.7-13)

 Flávio Josefo narrou este terrível terremoto em Guerra dos Judeus 4.4.5. As duas testemunhas são mortas pela besta-Roma e seus corpos jazem na grande cidade (cf. Ap 17.8), a prostituta-Jerusalém. Isto simplesmente reflete o fato de que a perseguição da Igreja no primeiro século aconteceu por uma aliança entre o Império Romano e os líderes judaicos[2] da mesma maneira que havia acontecido com Jesus. O texto fala também de uma visão das duas testemunhas na nuvem. É possível que isso tenha se cumprido no que foi relatado por Flávio Josefo:

 “Alguns dias depois da festa, no dia vigésimo primeiro do mês de Iyar, um fenômeno prodigioso e incrível aconteceu: suponho que o relato pareceria uma fábula, caso não tivesse sido relatado por pessoas que a viram e caso tais eventos que se lhe seguiram não fosse de uma natureza tão considerável a ponto de merecer tais sinais. Antes do nascer do sol viram-se carruagens e soldados entre as nuvens…”[3]

 Tacitus relatou o mesmo acontecimento:

 “No céu apareceu uma visão de exércitos em conflito… Um relâmpago repentino vindo das nuvens iluminou o templo… A maioria estava convencida de que as antigas escrituras de seus sacerdotes indicavam que o tempo presente seria a época exata em que o oriente iria triunfar e da Judeia viria homens destinados a governar o mundo”.[4]

 O Apocalipse fala dos santos como “os exércitos que estão no céu” (Ap 19.4). Portanto, é provável que a visão que teve o povo de Jerusalém de carruagens e soldados no céu tenha sido uma visão da Igreja mártir gloriosa testemunhando no tribunal celeste contra a prostituta-Israel para que fosse executada.

__________________
Notas
[1] É interessante notar que a palavra traduzida como testemunha é μαρτυρία –
marturia – no grego, de onde vem a palavra mártir no português.

[2] Um fato recorrente nos Atos dos Apóstolos.

[3] Flávio Josefo. Guerra dos Judeus.

[4] Tacitus, Histories, 5:13



segunda-feira, 22 de julho de 2019

O literalismo dispensacionalistas e suas inconsistências



O literalismo produz muitos equívocos de interpretação, por exemplo, Nicodemos, por conta do literalismo, não entendeu a linguagem figurada de Jesus, concluindo equivocadamente que nascer de novo era o mesmo que voltar ao ventre de sua mãe (Jo 3:4). E a mulher samaritana errou em interpretar literalmente a seguinte frase de Jesus “aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede”. Tanto que ela chegou a pedir para beber desta água para não precisar voltar a buscar água naquele poço (João 4:10-15). E os líderes judeus não entenderam a linguagem figurada de Jesus que falou do seu corpo como sendo templo e quiseram matar a Jesus por conta de sua errônea interpretação literal (Jo 2:21 e Mt 26:61). 

O literalismo levou os dispensacionalistas a fazerem uma separação tão radical entre Israel e Igreja, chegando ao ponto de negarem que o Sermão do Monte seja uma mensagem de Cristo para os cristãos, alegando tratar-se de uma mensagem apenas voltada aos judeus. (Vide notas da Bíblia dispensacionalista de Estudo Scofield). No entanto, o Novo Testamento aplica a Igreja aquilo que o Antigo Testamento exclusivamente diz a respeito de Israel: “vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus… vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus…” (1Pe2.9-10; Tt 2:14; Ap 1.6; 5.10; cp. Êx 19:5-6; Dt 14:2; Is 43:20).

Os dispensacionalistas seguem a mesma hermenêutica literalista que levou os fariseus a rejeitarem a Cristo, pois esperavam um rei político que os liderasse numa guerra contra o Império Romano, restaurando seu reino terreno, e não um rei pacífico e espiritual, cujo reino não é deste mundo. 

Agora, ao contrário do que alegam, os dispensacionalistas não são nada consistentes em sua proposta de interpretação literal das Escrituras Sagradas. Por exemplo:

1. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente as afirmações de Jesus sobre Satanás já ter sido amarrado (Mt 12.29), já ter caído do céu como um relâmpago (Lc 10.17) e que já havia chegado a hora dele ser expulso (Jo 12.31). 

2. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente a estupenda declaração de Jesus: “certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28); simplesmente porque isto contradiz sua crença de que o reino foi adiado por conta da rejeição de Israel. 

3. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente a seguintes declarações de Jesus sobre seu reino não ser deste mundo e nem se manifestar com visível aparência: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36); “Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós.” (Lc 17.20–21), os dispensacionalista preferem contrariar o claro ensino de Cristo, do que abandonarem sua ideia de ver estabelecido um reino milenar aqui na terra em termos físicos e literais.

4. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente as parábolas que ensinam que o Reino de Deus se manifesta no mundo de maneira discreta como um grão de mostarda e que vai crescendo de modo paulatino e que se defronta sempre com o inimigo que se apresenta em forma de pássaro ou daquele que planta o joio no meio do trigo (Mt 13).

5. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente as seguintes declarações de Jesus: “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” Mt 16.18); e “é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações” (Mc 13.10), pois eles ensinam que o arrebatamento sempre foi iminente, podendo ter acontecido e acontecer a qualquer momento, mesmo antes do sucesso da Igreja em fazer discípulos de todas as nações, mesmo antes do cumprimento da profecia de que o Evangelho precisa necessariamente ser pregado para testemunho a todas as nações antes do fim. 

6. Os dispensacionalista não interpretam literalmente a profecia das Setenta Semanas de Daniel, pois dizem que ela não se cumpriu em 490 anos na vinda de Cristo, sua morte e, no consequente destruição de Jerusalém e do templo, ensinando, ao contrário, que há um intervalo de dois mil anos ou mais no seu cumprimento profético quando não existe nada naquela profecia que sequer sugira algo assim.

7. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente a profecia de Daniel 2, pois negam que Cristo tenha inaugurado seu Reino nos dias do Império Romano conforme esclarece Daniel: “nos dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais destruído; este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre, como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação.” (Dn 2.44–45).

8. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente o ensino de Jesus quanto a necessidade de vigiar para não ser pego de surpresa pela Vinda do Senhor que porá fim a oportunidade de salvação (Mt 24.14 e 37; 25.1-13; Mc 13.33), pois, contrariamente, ensinam que será possível haver salvação depois do arrebatamento.

9. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente 2 Tessalonicenses 2, que ensina que “a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e a nossa reunião com ele”(2Ts 2.1), que sabemos se dará com o arrebatamento, “não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniquidade, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus, ou objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus.” (2Ts 2.3b,4). Isto porque a interpretação literal deste texto levaria necessariamente a negação do ensino pré-tribulacionista que ensina que a manifestação do Iníquo somente acontecerá após o arrebatamento da Igreja. 

10. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente as diversas passagens bíblicas que ensinam que a Igreja passa pela Grande Tribulação (Ap 1.9; 2.3-13; 6.9s; 7.9-17; 11.1-10; 12.11, 17; 13.7,8; 14.1-5,13). 

11. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente os textos que claramente ensinam que o juízo final dos incrédulos irá ocorrer com a Segunda-vinda (Dn 12.2; Mt 25.31-34).

12. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente as palavras de Tiago no encerramento do concílio de Jerusalém, onde ele vê a conversão dos gentios para fazerem parte da Igreja como o cumprimento da profecia a respeito da reedificação do tabernáculo caído de Davi. (At 15.14–19). 

13. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente a afirmação de Paulo que diz que a morte, o último inimigo, será destruída e tragada pela vitória na Segunda-vinda de Cristo (1Co 15.54), pois eles ensinam que, mesmo depois da Segunda Vinda de Cristo, haverá morte e rebelião na terra no milênio. 

14. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente quando Jesus diz que os redimidos ressuscitarão no "último dia” (Jo 6.40), eles afirmam que Jesus quis dizer mil e sete anos antes do último dia. Porque o dispensacionalismo ensina que a ressurreição dos que morreram em Cristo acontecerá antes do Início da Grande Tribulação que, segundo eles, durará 7 anos. Ainda segundo este ponto de vista, haveria um segundo momento de ressurreição de pessoas que se converteram e morreram durante o período da Grande Tribulação, ressurreição esta que se daria por ocasião da Segunda-Vinda de Cristo. Mas este ainda não seria o último dia, visto que eles ensinam que depois disto ainda haveria um período de mil anos de história sobre a face da terra. Por isto é que os dispensacionalistas precisam interpretar último dia de maneira bem figurada. Para eles existem múltiplos "ultimo dia". 

15. Os dispensacionalistas também não interpretam literalmente o texto em que Jesus diz que chegará "a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (João 5:28,29), eles negam o sentido normal do texto, alegando que ao dizer "a hora”, Jesus teria intencionado dizer pelo menos tres horas ou momentos distintas separadas por sete anos e mais outros mil anos. Além de tamanho disparate, eles ensinam também que, quando Jesus diz que naquela hora todos ressuscitarão, que não é bem assim, dizem que não devemos interpretar “todos” de maneira literal, pois, para eles, “todos" não significam todos, mas uns agora e outros depois e outros mais tarde ainda. 

16. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente o texto em que Jesus diz que o sumo-sacerdote e seus comparsas ali presentes o veriam vindo sobre as nuvens do céu (Mt 26:63-64), pois segundo a sua cronologia escatológica, os perdidos não ressuscitarão na Segunda-Vinda, mas apenas mil anos mais tarde. O resultado disto é que eles são forçados a apelar para a alegorização, dizendo que o sumo-sacerdote não ressuscitará para contemplar a vinda do Senhor, pois que ele ali representa a comunidade judaica. Jesus apenas estaria querendo dizer que haverá judeus vivos por ocasião da Segunda-vinda. 

17. Os dispensacionalistas também não interpretam literalmente Apocalipse 1.7 que ensina que "todos, até os que o traspassaram", verão Jesus regressando sobre as nuvens dos céus, pois ensinam eles que o termo "todos" não deve ser interpretado literalmente como "todos" e que de maneira alguma os que o traspassaram na cruz ressuscitarão para ver a Segunda-vinda de Cristo, pois ensinam que apenas os salvos ressuscitarão na Segunda Vinda de Cristo. Eles também recusam-se em concordar com a afirmação de Jesus de que a ressurreição dos salvos ninivitas se dará no dia do juízo final juntamente com a geração de judeus que rejeitou o testemunho de Cristo (Mt 12.41), simplesmente porque isto contraria seus pressupostos pré-milenistas. 

18. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente textos como João 10.16, 1 Coríntios 10.17; 12.13; Efésios 2.13-22 e Romanos 11 que ensinam que Deus só tem um povo, um só rebanho, pois há apenas uma só Oliveira da qual fazem parte pela fé judeus e gentios, pois Jesus derrubou a parede de separação que estava no meio, para que dos dois criasse, em si mesmo um novo homem, seu Corpo, a Igreja, edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo, a pedra angular. No entanto, os dispensacionalistas dizem que Deus tem dois povos, e que tem dois planos de salvação e dois destinos futuros, um terreno para Israel e outro celestial para a Igreja. Paulo usa 14 capítulos em Romanos para provar que nunca existiu um plano de salvação para judeus e outro para os gentios, mas, ao contrário, sempre houve um único plano eterno incluindo judeus e gentios (Gn 17.5; Rm 4.11, 12, 16, 17, 23, 24). 

19. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente Romanos 2.28-29: “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, q no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus.” Pois uma interpretação literal deste texto implicaria necessariamente em espiritualizar o termo judeu, algo inadmissível para eles que vivem ensinando que judeu é judeu e cristão é cristão. Eles fazem uma separação radical entre Israel e Igreja.

20. Os dispensacionalistas também não interpretam literalmente Hebreus 12.22: “Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembléia”, pois isto seria espiritualizar Monte Sião e Jerusalém como algo pertencente a Igreja na Nova Aliança. 

21. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente o ensino de Paulo de que a promessa da terra feita a Abraão não diz respeito somente a Israel, mas também a Igreja. “Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé. Pois, se os da lei é que são os herdeiros, anula-se a fé e cancela-se a promessa, porque a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há transgressão. Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós, como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.)” (Rm 4.13–17). 

22. Os dispensacionalistas não interpretam literalmente o trecho de Hebreus 11 que diz que os patriarcas viram o cumprimento da promessa da terra em termos mais espirituais que terrestres, tanto que, Abraão, “pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade j que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador… Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. o Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade.” (Hb 11.9–16). Portanto, uma pátria celestial é a esperança dos judeus crentes do Antigo Testamento, idêntica a dos cristãos do Novo Testamento! Jesus subiu foi nos preparar um lar celestial na casa do Pai! “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também. (Jo 14.2–3). “Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, a buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (Cl 3.1–2). Infelizmente, os dispensacionalistas seguem pensando na restauração de um reino terreno de Israel, enquanto que próprios patriarcas morreram na esperança de uma pátria celestial. Como Abraão, Isaque e Jacó, nós cristãos, também declaramos que “a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3.20).



quinta-feira, 18 de julho de 2019

1 Tessalonicenses 4 e Dispensacionalismo



Lemos Um  leitor  nos  envia  o  seguinte  questionamento:  “Em  I  Tess.  4,  está  escrito  que  os salvos  encontrarão  com  o  Senhor  nos  ares  (mortos  e  vivos),  isto  é  Pré-milenismo  e pré-tribulacionismo;  mas  há  muita  contestação,  pois  se  alega  que  Cristo  não  poderia voltar  várias  vezes  – onde  está  escrito na  Bíblia  que  Jesus  só  vai  voltar  uma  vez?”. 

A  pergunta  certamente  tem  haver  com  os  versículos  13  a  18,  onde  se  lê:  “Não  quero, porém,  irmãos,  que  sejais  ignorantes  acerca  dos  que  já  dormem,  para  que  não  vos entristeçais,  como  os  demais,  que  não  têm  esperança.  Porque,  se  cremos  que  Jesus morreu  e  ressuscitou,  assim  também  aos  que  em  Jesus  dormem,  Deus  os  tornará  a  trazer com  ele.  Dizemos-vos,  pois,  isto,  pela  palavra  do  Senhor:  que  nós,  os  que  ficarmos  vivos para  a  vinda  do  Senhor,  não  precederemos  os  que  dormem.  Porque  o  mesmo  Senhor descerá  do  céu  com  alarido,  e  com  voz  de  arcanjo,  e  com  a  trombeta  de  Deus;  e  os  que morreram  em  Cristo  ressuscitarão  primeiro.  Depois  nós,  os  que  ficarmos  vivos,  seremos arrebatados  juntamente  com  eles  nas  nuvens,  a  encontrar  o  Senhor  nos  ares,  e  assim estaremos  sempre  com  o  Senhor.  Portanto,  consolai-vos  uns  aos  outros  com  estas palavras”. 

Este  texto  nos  fala  de  dois  eventos  finais  que  aconteceriam  a  Igreja:  a)  a  ressurreição dos  cristãos  mortos;  e  b)  o  arrebatamento  dos  cristãos  vivos.  Este  texto,  a  princípio,  não nos  diz  nada  sobre  as  posições  Pré-Milenista  e  Pré-Tribulacionista.  A  intenção  de  S. Paulo  é  confortar  o  coração  dos  cristãos  para  os  quais  escrevem,  ao  que  parece,  aquela Igreja  estava  sendo  assediada  por  uma  heresia  que  negava  a  ressurreição  dos  mortos. Então,  Paulo  responde:  não  deem  ouvidos  a  este  ensino,  pois  nossa  fé  baseia-se  na ressurreição  do  Cristo,  e  se  Cristo  Ressuscitou,  os  mortos  em  Cristo  ressuscitarão também.  

Certamente,  eles  estavam  apavorados  com  a  ideia  de  que  os  seus  mortos  jamais veriam  a  vitória  final  da  Igreja,  que  eles  haviam  morrido  sem  receber  a  recompensa  que tanto  esperavam.  Por  isso  Paulo  diz  que  eles  seriam  recompensados  antes  dos  vivos: “Dizemos-vos,  pois,  isto,  pela  palavra  do  Senhor:  que  nós,  os  que  ficarmos  vivos  para  a vinda  do  Senhor,  não  precederemos  os  que  dormem.  Porque  o  mesmo  Senhor  descerá do  céu  com  alarido,  e  com  voz  de  arcanjo,  e  com  a  trombeta  de  Deus;  e  os  que morreram  em  Cristo  ressuscitarão  primeiro”.  Estavam  sendo  ensinados  –  por  algum herege  daqueles  dias  -  que  seus  mortos  haviam  perdido  a  recompensa,  pois  quando Cristo  voltasse,  estariam  mortos;  Paulo,  porém,  diz  que  justamente  o  oposto:  já  que morreram, se  encontrarão primeiro com  Jesus,  pois  o mortos ressuscitarão  primeiro.

Então,  este  é  o  telos  da  perícope  em  questão,  ou  seja,  sua  intenção  central.  Nada  no texto  sugere  que  Paulo  escreveu  para  ensinar  que  Jesus  voltaria  antes  do  Reino  ser inaugurado  (Pré-Milenismo),  ou  antes  de  haver  uma  Grande  Tribulação  (Pré-tribulacionismo).  Tais  temas  sequer  são  mencionados  no  texto,  como  podem  conferir por  si  mesmos.  Tudo  o  que  Paulo  está  dizendo  é  que  os  mortos  se  encontrariam  com Cristo  primeiro,  e  que  os  vivos,  se  encontrariam  com  ele  depois,  por  meio  do arrebatamento.

 Agora,  sobre  a  questão  de  Cristo  poder,  ou  não,  voltar  mais  de  uma  vez,  vale  dizer  o seguinte:  para  nós,  preteristas,  há,  sim,  duas  “vindas”  escatológicas  de  Cristo.  A primeira  vinda  foi  simbólica,  em  Juízo  contra  Jerusalém,  em  70  d.C,;  a  outra,  ainda futura,  se  dará  de  modo  corporal,  quando  ele  viver  ressuscitar  os  mortos  e  transformar os  vivos, na  inauguração  do Estado Eterno. 

O problema  com  a  posição  Dispensacionalista  é  que  ela  se  vê  obrigada  a  aceitar  várias ressurreições  finais,  e  não  apenas  esta  descrita  nas  Escrituras.  Para  sustentar  o Dispensacionalismo, se  precisa  de  várias  ressurreições  finais: 

1)  Os  dispensacionalistas  precisam  de  uma  ressurreição  de  salvos  antes  da  Grande Tribulação  começar  (aqui  ressuscitam  os  salvos  da  'Era  da  Igreja'); 

2)  Os  dispensacionalistas  precisam  de  uma  ressurreição  de  salvos  no  fim  da  Grande Tribulação (aqui  ressuscitam  os  salvos que  morreram  na  'Grande  Tribulação”); 

3)  Os  dispensacionalistas  precisam  de  uma  ressurreição  de  salvos  quando  o  Milênio acabar  (aqui  ressuscitam  os  salvos  que  morreram  durante  o  'Milênio'). 

Em  quarto  lugar,  eles  ainda  precisam  de  uma  Ressurreição  Final  para  os  condenados; ou  seja,  o  dispensacionalismo  acredita  em  4  ressurreições  finais.  No  entanto,  isso contraria  seu  pressuposto  hermenêutico  principal,  pois  alegam  a  obrigatoriedade  de interpretar  as  Escrituras  literalmente.  E  é  com  base  em  seu  apego  a  literalidade,  que  os dispensacionalistas  ensinam  que  haverá  duas  ressurreições  finais,  a  “primeira ressurreição”,  para  os  salvos,  na  Vinda  de  Cristo,  e  a  “segunda  ressurreição”,  para  a Morte,  na  época  do  Julgamento  Final.  Entretanto,  como  acabamos  de  ver,  aquilo  que eles chamam  de  “primeira  ressurreição”  é, na  verdade, três  ressurreições,  não uma.
   
De  modo  que,  apesar  de  Paulo,  no  texto  que  comentamos  na  primeira  parte  deste artigo,  não  falar  especificamente  sobre  estes  temas,  o  fato  de  ele  dizer  que  os  mortos  em Cristo  ressuscitaram  uma  vez,  e  que  os  vivos  serão  transformados,  e  depois  disso, “estaremos  para  sempre  com  o  Senhor”  (v.17),  destrói  completamente  as  teorias dispensacionalistas. 


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Quatro grandes correntes de Interpretação do livro de Apocalipse



Há quatro grandes correntes de interpretação do livro de Apocalipse:

1. A corrente Pós-Milenistas

Os  pós-milenistas ensinam que a segunda vinda de Cristo se seguirá a um longo período de retidão e paz, chamado milênio. Robert Clouse citando Loraine Boettner, ilustre representante do pós-milenismo, diz: 

“o milênio se encerrará com a segunda vinda de Cristo, a ressurreição e o julgamento final. Em suma, os pós-milenistas apresentam um reino espiritual nos corações dos homens”. 

O pós-milenismo crê que o mundo vai ser cristianizado e que teremos um grande e poderoso reavivamento, produzindo um crescimento espantoso da igreja a ponto da terra encher-se do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar (Hc 2:4). Martyn Lloyd-Jones diz que os pós-milenistas creem que para o fim da era cristã, haverá um período de bênçãos inusitado e especial, o qual ofuscará tudo o que lemos em Atos capítulo 2. Haverá, dizem, uma tão tremenda profusão do Espírito Santo, levando a uma atividade missionária e evangelística tal, que a maioria das pessoas na face da terra será convertida e se tornará cristã. Russell Shedd diz que as raízes do pós-milenismo são reconhecíveis nas ideias de Ticônio e Agostinho. Essa corrente foi forte nos séculos XVII, XVIII e XIX, quando as missões estavam em franca expansão. O Pós-milenismo foi o ponto de vista defendido praticamente por todos os grandes protestantes e comentaristas evangélicos conservadores durante o século XIX. Homens como Jonathan Edwards, Charles Hodge e Benjamim Warfield, os famosos teólogos do Seminário de Princeton, foram defensores do Pós-Milenismo. Muitos missionários foram influenciados por esta interpretação, e muitos hinos missiológicos foram escritos inspirados por esta visão. 
Essa corrente, contudo, deixa de perceber que antes da vinda de Cristo estaremos vivendo um tempo de crise e não um tempo de despertamento espiritual intenso e universal. Devemos rejeitar essa corrente. Parece-nos que o otimismo incontido dos mestres do Pós-milenismo desfez-se no dramático realismo do século XX, com duas sangrentas guerras mundiais e o mundo sendo abocanhado pelo comunismo ateu. Millard Erickson interpreta corretamente quando diz que o forte declínio da popularidade do pós-milenismo é resultado mais das considerações históricas do que exegéticas. Diz ainda Millard que hoje os pós-milenistas são uma espécie extinta ou em perigo. 

Penso que Martyn Lloyd-Jones tocou no cerne da fraqueza do pós-milenismo, quando disse:

A dificuldade que pessoalmente encontro no ponto de vista pós-milenista é que parece haver um ensino tão claro nas Escrituras que longe de haver uma era áurea perto do fim, haverá um tempo de grande tribulação, quando a Igreja será sujeitada a terríveis provações, e haverá pavorosa e terrível guerra. Aliás, existe um versículo, uma declaração, que, até onde a compreendo, é suficiente para eliminar o ponto de vista pós-milenista. E Lucas 18:8, onde nosso Senhor diz: “Contudo, quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra?” E fé ali significa a fé [...]. Sinto, pois, que sobre tais bases não posso aceitar a interpretação pós-milenista

Pós-milenismo não é literalista no que diz respeito à duração do milênio: o milênio é um período longo de tempo, não necessariamente mil anos medidos pelo calendário. O milênio terminará com a segunda vinda de Cristo, em vez de começar com ela.

2. A corrente Pré-Milenista

Ensinam os pré-milenistas que a segunda vinda de Cristo não seguirá, mas precederá o milênio. O Pré-Milenismo foi a posição oficial da Igreja Primitiva até o quarto século. Os pais da Igreja como Justino, o mártir, Tertuliano, Lactâncio, Papias, Irineu e Hipólito, escreveram sobre a tribulação pela qual a igreja passaria. George Ladd, ilustre representante do Pré-Milenismo Histórico, resume o período patrístico dizendo que cada pai da igreja que trata do assunto prevê que a igreja sofrerá às mãos do anticristo, mas Cristo a salvará mediante a Sua volta no fim da tribulação, quando, então, destruirá o anticristo, livrará Sua igreja e trará o mundo ao fim e inaugurará Seu reino milenar.

Robert Clouse diz que durante o século XIX o pré- j milenismo atraiu novamente ampla atenção. John Nelson f Darby (1800-1882), líder dos irmãos Plymouth articulou a perspectiva dispensacionalista do pré-milenismo. Descreveu a vinda de Cristo antes do milênio, consistindo de dois estágios: o primeiro, um arrebatamento secreto removendo a igreja antes da Grande Tribulação devastar a terra; o segundo, Cristo vindo com Seus santos para estabelecer o reino. No momento de sua morte, Darby havia deixado quarenta volumes de escritos e uns mil e quinhentos congressos realizados ao redor do mundo. Através de seus livros, que incluem quatro volumes acerca de profecia, o sistema de dispensações foi levado a todo o mundo de língua inglesa.

Um dos maiores fatores para o crescimento do dispen- sacionalismo no meio evangélico foi a Bíblia anotada de Scofield. Essa Bíblia foi publicada em 1909 e desde então tem larga aceitação nos Estados Unidos e em quase todo o mundo. Scofield divide a Bíblia em sete dispensações:1) A Inocência - desde Adão até a queda; 2) A consciência - desde a queda até o dilúvio; 3) O governo humano - desde Noé até Abraão; 4) A promessa - desde Abraão até Moisés; 5) A lei - desde Moisés até o Calvário; 6) A graça — desde o Calvário até a grande tribulação; 7) O reino - desde a grande tribulação até o fim do reinado de Cristo por mil anos na terra. Dentro dessa visão dis- pensacionalista, a igreja é apenas um parêntesis na história. Equivocadamente se pensa que a igreja é o mistério que não tinha sido previsto pelos profetas no Antigo Testamento. Angus Macleod, citando Dr. Ironside, grande expoente do dispensacionalismo chega a dizer: 

o relógio profético se deteve no Calvário. Nem um tic-tac se tem ouvido desde então e o relógio não começará a marcar até que Cristo regresse”.

Um dos grandes destaques da interpretação dispensacionalista é a distinção entre arrebatamento e segunda vinda de Cristo. Para os dispensacionalistas a segunda vinda de Cristo será em dois turnos: a vinda secreta para a igreja, o arrebatamento e a vinda visível com a igreja, a segunda vinda. George E. Henderlite, falando sobre essa diferença entre o arrebatamento e a segunda vinda visível de Cristo, diz:

No arrebatamento Jesus vem receber a Igreja no fim da dispensação atual, mas não chegará à terra. E a Igreja, os santos mortos ressuscitados, os vivos transformados, todos arrebatados, que saem ao encontro dEle no ar. Na segunda vinda, depois de alguns anos Ele vem para a terra a fim de estabelecer o Seu reino messiânico. 

John F Walvoord, um dos ilustres representantes do dispensacionalismo, complementa: 

“Entre o arrebatamento da igreja para o céu e o retorno de Cristo em triunfo para estabelecer seu reino, deve haver bastante tempo para que um novo grupo de crentes, formado de judeus e gentios, venha a Cristo e seja salvo”.

As Confissões Reformadas (Confissão de Augsburgo, Confissão Helvética e Confissão de Westminster) rejeitaram a ideia de um milênio terrenal, condenando essa hermenêutica como uma fantasia judaica.
Os Pré-Milenistas históricos ou moderados distinguem-se dos amilenistas em poucos aspectos: Reino e ressurreição. Porém, os Pré-Milenistas dispensacionalis- tas ou extremados têm vários ensinos estranhos às Escrituras: a) Distinção entre Igreja e Israel no tempo e na eternidade; b) o Reino de Deus adiado para o Milênio terreno; c) a crença num arrebatamento secreto, seguido de uma segunda vinda visível; d) a idéia de que a igreja não passará pela grande tribulação (a igreja será poupada da ira de Deus (thymos e orge), mas não da tribulação (thlipsis). A tribulação não é a ira de Deus contra os pecadores, mas, sim, a ira de Satanás, do anticristo e dos ímpios contra os santos; e) a idéia de que teremos várias ressurreições; f) a idéia de que haverá chance de salvação depois da segunda vinda de Cristo. 

Durante o século XIX o Pré-Milenismo atraiu novamente ampla atenção com John Nelson Darby e Edward Irving. No século passado houve uma explosão do dispensacionalismo, sobretudo, depois da Bíblia anotada de Scofield, os livros de Hal Lindsay, a revista Chamada da Meia Noite, e agora, mais recente, a série de livros “Deixados para trás” de Tim LaHaye. Muito embora essa vertente seja muito popular no mundo inteiro, ela carece de consistência bíblica e teológica em sua abordagem.

3. A corrente Amilenista

Os amilenistas não creem num milênio literal. Eles creem que o milênio é um período indeterminado que vai da primeira à segunda vinda de Cristo. No quarto século, o mais destacado teólogo da igreja ocidental, Agostinho de Hipona, passou a defender uma nova interpretação acerca do milênio. Millard Erickson diz que foi Agostinho quem sistematizou e desenvolveu a abordagem amilenista. O reino milenar de Cristo e Seus santos foi igualado à totalidade da história da igreja na terra. Essa interpretação foi chamada de Amilenismo.

O Amilenismo tornou-se a interpretação dominante no concílio de Éfeso em 431 d.C. Daí para a frente crer num milênio terrenal era considerado superstição. Os reformadores protestantes continuaram com o Amilenismo agostiniano. As confissões reformadas, sem exceção, abraçaram também o Amilenismo. Essa corrente parece- nos a que mais consistentemente interpreta o livro de Apocalipse com integridade hermenêutica.

O termo Amilenismo não é muito feliz, diz Antony Hoekema, pois sugere que os amilenistas não crêem no milênio ou não levam em conta os primeiros seis versículos de Apocalipse 20, que falam de um reino de mil anos. Os amilenistas, embora creiam no milênio, não o interpretam de forma literal. O amilenismo crê que o milênio está hoje em processo de realização. Ele vai da primeira à segunda vinda de Cristo. Por isso, Jay Adams sugeriu que o termo amilenismo seja trocado por milenismo realizado. Antony Hoekema diz que hoje vivemos a tensão entre o “já” e o “ainda não”. Já estamos no Reino, mas ainda não na sua plenitude. O Reino já chegou. Ele está dentro de nós, mas ainda não na sua consumação final. 

Benjamim Warfield faz a seguinte interpretação do milênio:

O número sagrado de sete em combinação com o número igualmente sagrado três formam o número da perfeição, dez, e quando este dez é levado à terceira potência, para formar mil, o vidente já disse tudo quanto podia para transmitir às nossas mentes a ideia da perfeição total.

Antony Hoekema sintetiza a visão do milênio conforme a interpretação amilenista, nos seguintes termos: 

Os amilenistas entendem que o milênio mencionado em Apocalipse 20:4-6 descreve o presente reinado das almas dos crentes falecidos que estão com Cristo no céu. Eles entendem que a prisão de Satanás que se menciona nos primeiros três versículos deste capítulo estão em efeito durante todo o período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, ainda que terminará pouco tempo antes do regresso de Cristo. Ensinam, pois, que Cristo regressará depois deste reinado celestial de mil anos.

O livro de Apocalipse deve ser visto não como uma mensagem que registra os fatos em ordem cronológica e linear. As mesmas verdades principais são repetidas em sete seções paralelas e progressivas. William Hendriksen, segundo a minha visão, oferece o melhor sistema de interpretação do livro de Apocalipse, o conhecido paralelismo progressivo. De acordo com este ponto de vista, o livro de Apocalipse consiste de sete seções paralelas entre si, cada uma delas descrevendo a igreja e o mundo desde a época da primeira vinda de Cristo até a Sua segunda vinda.40 Cada seção descreve uma cena do fim. A cena do fim vai ficando cada vez mais clara, até chegar ao relato apoteótico da última seção.
Essas sete seções estão agrupadas em duas divisões principais: (Capítulos 1-11) e (Capítulos 12-22). A primeira descreve a perseguição do sistema do mundo e dos próprios ímpios contra a igreja e a segunda a perseguição do dragão e seus agentes. William Hendriksen, coloca esses fatos da seguinte maneira: Nos capítulos 1-11 de Apocalipse vemos o conflito entre os homens, ou seja, entre os crentes e os incrédulos. O mundo ataca a igreja. A igreja sai vitoriosa; é vingada e protegida. Nos capítulos 12-22, este conflito tem um significado mais profundo. E a manifestação exterior do ataque do diabo contra o Filho Varão. O dragão ataca a Cristo, sendo rechaçado, dirige toda sua fúria contra a igreja. Para ajudar-lhe usa as duas bestas e a grande meretriz, mas todos esses inimigos da igreja são derrotados no fim.

Primeira Seção (1-3) - Os sete candeeiros 

Qual é a lição dessa seção? E que Cristo tem o controle da igreja em Suas mãos. Encontramos aqui uma descrição do Cristo que morre, ressuscita e vai voltar (1:5-7). A morte e ressurreição de Cristo são o começo da era cristã, e a Sua segunda vinda é o término desta era. Nesta seção temos apenas um mero anúncio da segunda vinda para o juízo (1:7), mas nenhuma descrição do juízo.

Segunda Seção (4-7) - Os sete selos 

Qual é a mensagem dessa seção? E que Cristo tem o controle da história em Suas mãos (5:5). Contemplamos Sua morte (5:6), mas essa seção encerra-se com uma cena da segunda vinda de Cristo (6:6-12 e 7:9-17). Notemos a impressão produzida nos incrédulos pela segunda vinda (6:16-17), ao mesmo tempo a felicidade dos salvos (7:16-17). A segunda seção é uma reiteração da primeira. Sua revelação vai do princípio ao fim dos tempos, ao juízo final. Mais uma vez nos é mostrada a diferença entre os remidos e os perdidos. Nesta segunda seção, o juízo final não é meramente anunciado, mas definitivamente introduzido. Os ímpios estão aterrados pelo fato de terem que comparecer perante o Juiz.

Terceira Seção (8-11) - As sete trombetas 

Nesta seção vemos a igreja vingada, protegida e vitoriosa. Havendo começado com o Senhor como nosso sumo sacerdote (8:3-5), avançamos até o juízo final (10:7; 11:1519). Uma vez mais estamos tratando das mesmas coisas: O Senhor e Sua igreja e o que lhes sucede no mundo, o juízo final, os redimidos e os perdidos. As trombetas são avisos antes do derramamento completo das taças da ira de Deus. Antes de Deus punir finalmente, ele sempre avisa e oferece oportunidade de arrependimento. Nesta seção introduzem-se o juízo final e o gozo dos remidos.

Quarta Seção (12-14) - A tríade do mal 

Novamente voltamos ao início, ao nascimento de Cristo (12:5). Depois vem a perseguição do Dragão a Cristo e à igreja (12:13). Ele levanta a besta e o falso profeta. Finalmente, vem a cena do juízo final (14:8). Em Apocalipse 14:14-20 há uma cena clara do juízo final.

Quinta Seção (15-16) - As sete taças 

Descreve as sete taças da ira de Deus, representando a visitação final da Sua ira sobre os que permanecem impenitentes. Uma vez mais a cena começa no céu relatando o Cordeiro com Seu povo. Mas no capítulo 16 vemos uma espantosa descrição do juízo (16:15,20). Aqui a destruição é completa.

Sexta Seção (17-19) - A derrota dos agentes do Dragão 

Essa seção é um relato da destruição dos aliados do Dragão: A meretriz, a besta, o falso profeta e os seguidores da besta. Ao mesmo tempo em que a meretriz, a falsa igreja, está sendo destruída, a igreja é apresentada como esposa de Cristo (19:20). A grande festa das núpcias ocorre; o juízo final é relatado outra vez e uma grande distinção entre redimidos e perdidos ocorre novamente. No capítulo 19 há uma descrição detalhada da gloriosa vinda de Cristo (19:11-21).

Sétima Seção (20-22)

Essa seção mostra o Reinado de Cristo com as almas dos santos no céu e não o milênio na terra depois da segunda vinda. O capítulo 20 começa na primeira vinda e não depois da segunda vinda. Então, temos a descrição do juízo final (20:11-15). Após isso, vemos os novos céus e a nova terra e a igreja reinando com Cristo para sempre. Apesar dessas seções serem paralelas, elas são também progressivas. A última seção leva-nos mais além do que as outras. Apesar do juízo final já ter sido anunciado em (1:7) e brevemente descrito em (6:12-17), não é apresentado detalhadamente senão quando chegamos em (20:11-15). Apesar do gozo final dos redimidos já ter sido insinuado em (7:15-17), não encontramos uma descrição detalhada senão quando chegamos em (21:1-22:5). Aqui está o clímax glorioso deste livro!

Hernandes dias Lopes – Apocalipse / futuro chegou, as coisas que em breve devem acontecer; São Paulo, SP: Hagnos 2005. (Comentários expositivos Hagnos), p: 23-33


quinta-feira, 11 de julho de 2019

Promessas Cumprindo-se em Cristo e na Igreja



Pensativo a respeito de como se dará o cumprimento da promessa relacionada a Terra Prometida, debrucei-me sobre as Escrituras em busca de resposta. Segue algumas considerações a respeito.

Um texto que me chamou bastante a atenção foi Hebreus 11.9-10, que claramente diz que Abraão, Isaque e Jacó habitaram em tendas na Terra Prometida de Canaã, considerando-a como terra alheia, porque nutriam a esperança de uma outra espécie de terra prometida, de caráter celestial, cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus; O que nos faz lembrar das palavras de Jesus que disse aos discípulos que deveria subir aos céus para construir nossa definitiva habitação! Portanto, para o autor de Hebreus, a esperança dos patriarcas quanto a terra prometida é a mesma da Igreja: "Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo" (Fp 3.20). Por isso é que o autor de Hebreus arremata a questão dizendo: "Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade" (Hb 11:13-16). De modo que as Escrituras do Novo Testamento não veem as promessas da Terra Prometida encontrando um cumprimento terreno, mas celestial: "Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador" (Hb 11:9-10 ).

Outro texto bastante esclarecedor é o de Paulo, em Romanos 4.13, que diz: "Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé". Onde se vê que a promessa da terra é uma profecia que diz respeito aos descendentes espirituais de Abraão, judeus e gentios crentes em Cristo, herdeiros de todo o mundo renovado e celestial, uma nova terra, uma nova Jerusalém, ou seja, uma nova Canaã!

Assim como nosso corpo se revestirá de características celestiais e incorruptíveis, assim também acontecerá com a terra, que se revestirá do céu, numa espécie fusão, passando pela purificação do fogo! Não é à toa, que toda a criação geme e aspira a redenção (Rm 8.21). Por isto o céu é também chamado de Nova Jerusalém, nossa "terra" prometida que terá Jesus como o nosso sol (Ap 22.5), e também é dito que: "a cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada. As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória. As suas portas nunca jamais se fecharão de dia, porque, nela, não haverá noite. E lhe trarão a glória e a honra das nações. Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro" (Ap 21:23-27).

Notar tratar-se da descrição da Nova Jerusalém celeste, onde o sol já não existe mais como o conhecemos, e observe também que as nações ali trarão a glória e a honra a Jesus, mas devemos lembrar que a Nova Jerusalém desce do céu após o Juízo Final, portanto, a descrição aqui das nações louvando a Deus não pode estar se referindo a um milênio na terra, pois trata-se de uma nova terra que é celestial. O primeiro céu e a primeira terra passaram e eis que tudo se fez novo! Nações aqui significam os remidos de todas as nações que habitarão na Nova Jerusalém. Veja que é dito que somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro é que tem o direito de habitar nesta morada celestial.

Ainda sobre Romanos 4, observe que a promessa da Terra é para toda a descendência de Abraão, o que inclui os gentios que são filhos da fé ou filhos da promessa e não somente de judeus que receberam a lei de Moisés (Rm 4:16-17). Paulo afirma que é através dos filhos espirituais de Abraão que se cumpre a promessa de que Abraão seria pai de muitas nações (Rm 4:17).
"Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão" (Gl 3:7-9).

Aprendemos com Paulo que as promessas feitas a Abraão pertencem ao seu descendente que é Cristo e nEle se cumprem: "Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo" (Gl 3:16).

Lembrando que, quando Abraão esteve prestes a sacrificar o filho da promessa, Deus interveio, provendo o Verdadeiro Filho da Promessa, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! O descendente que pisaria a cabeça da serpente, cumprindo a promessa feita a Adão, pai da humanidade.
Paulo conclui o capítulo 3 de Gálatas reafirmando que as promessas foram destinadas ao descendente por excelência de Abraão que é o Cristo (v. 19) e diz que tais promessas são extensivas a todos os que creem em Cristo: "Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que creem" (Gl 3:22).

 A Igreja é a manifestação do remanescente de Israel. Notar que o primeiro gentio a se converter foi Cornélio. O que vale dizer que a Igreja era composta originariamente de crentes judeus, pelos remanescentes de Israel (Rm 2.28,29; 3.3,4; 9.6-8,27,29; 11.15), os gentios foram acrescentados nesta mesma oliveira. Há muito mais continuidade do que descontinuidade (Ef 2.18-20; 3.6; Gl 3.6-29). Não houve mudança no plano de Deus (Ef 1.3-4), mas revelação progressiva (Gl 6.16; 3.13,14). O Verdadeiro Israel é aquele que possui o Messias. Cristo é a Videira verdadeira (Jo 15.1), a videira é símbolo notório de Israel. O verdadeiro herdeiro de Abraão é o que tem fé no Messias prometido (Gl 3). É não é sem propósito que o número de apóstolos da Igreja é idêntico ao número de tribos de Israel. Paulo não diz que Deus mudou o seu plano original, antes, ele afirma que a Igreja sempre foi o plano de Deus (Ef 3.4-6, 21, 26, 31; Gl 3.8, 16; ver também Gn 3.15). O N.T. ensina que a lei, a circuncisão e a própria nação de Israel foram sombras da realidade que se encontra na Igreja (Cl 2.17; Hb 10.1; Ef 1.22,23). Israel era um tipo da Igreja; a terra um tipo do céu; a circuncisão um tipo do novo nascimento e do batismo; a lei um tipo e um aio para o evangelho e o templo um tipo do “Corpo de Cristo” ( Hb 8.5; 9.9, 24; 10.9,16,19-21; 11.9-16,39,40; 12.18-24; 13.10-14; Cl 2.11,12). Os cristão são chamados de “eleitos de Deus” (Rm 9.33). A Igreja foi profetizada no A.T.: (Jo 8.56; At 3.22-24; 1 Pe 2.9 comparar com Ex 19.5,6; Hb 2.12 comparar com Sl 22.22).

Em Romanos 11, Paulo fala sobre o futuro do remanescente de Israel. E nenhuma palavra é dita sobre o retorno a terra ou a reconstrução do templo e restauração do ritual levítico. Todas as profecias concernentes ao retorno de Israel para a terra e a reconstrução do templo foram feitas antes de 516 a.C., ano em que o templo foi reconstruído. Não existe nenhuma profecia mais a este respeito após 516 a.C., nem no A.T. e nem no N.T. Por exemplo, o livro de Malaquias não menciona, em momento algum, uma expectativa de retorno a terra e reconstrução do templo, pois, evidentemente, entendia que as profecias neste sentido tinham tido o seu cumprimento no ano de 516 a.C. Mas em Rm 11, Paulo fala de um retorno de Israel para Cristo e não para a Palestina. Nenhuma palavra é dita sobre Israel ser salvo após o “arrebatamento”. Paulo se inclui entre os remanescentes de Israel que serão salvos (Rm 11.1); Todos os israelitas crentes serão salvos. Em nenhum lugar encontramos base para a crença de que haverá uma segunda chance de salvação para os homens quer sejam judeus ou gentios após o arrebatamento da Igreja (Mt 25).

A herança de Abraão é uma pátria celestial (Hb 11.8,13-16, 39,40; 1 Pe 1.4). As expectativas judaicas se cumprem em Cristo (Lc 1.54, 55,68-74). A primeira vinda de Cristo completou a redenção de Israel e “tantos quantos o receberem foi lhes concedido o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1.10-12).

Por esta razão é que os gentios se tornaram co-herdeiros com Cristo de todas as promessas feitas a Abraão! "Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados" (Rm 8:17). E tais promessas, principalmente aquelas que dizem respeito a terra, encontram um cumprimento que vai muito além do território da Palestina, abrangendo o mundo todo (Rm 4.13) e vai muito além desta vida e do mundo material, mas invade a eternidade e é revestida da glória celestial.
Os crentes, judeus e gentios, já estão espiritualmente ressuscitados e assentados juntamente com Cristo nos lugares celestiais, ou seja, ao lado daquele que tem todo o poder no céu e na terra e vive e reina do seu alto e sublime trono, acima de todo o principado e potestade (Ef 2:6), e por isto é dito que os crentes já tem "chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (Hb 12:22-22). A vocação deles é celestial: "Por isso, santos irmãos, que participais da vocação celestial" (Hb 3:1).

A esperança do cristão judeu, Paulo, também é a de um reino celestial e não milenar aqui na terra: "O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial" (2 Tim 4:18). "E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial" (2 Co 5:2 cf. Rm 8:21).

Espero ter sido capaz de demonstrar que as promessas feitas a Abraão foram destinadas a um descendente em especial que é o Messias. A própria Terra Prometida está sendo preparada por Cristo e se destina a todos os judeus e gentios que creem em Cristo. Os da fé são os verdadeiros descendentes de Abraão e herdeiros da promessa, co-herdeiros juntamente com Cristo.




sábado, 6 de julho de 2019

Pré-Milenismo em Julgamento



A interpretação de um milênio literal encontra várias dificuldades: 

Primeiro, não encontramos essa ideia de um milênio terrenal após a segunda vinda de Cristo nos evangelhos e nas epístolas paulinas e gerais. 

Segundo, o Novo Testamento ensina uma única volta de Cristo, e não duas.

Terceiro, uma interpretação literal desse número, em um livro de simbolismos, especialmente neste capítulo saturado de símbolos, é um obstáculo considerável. 

Quarto, o milênio fala de Cristo reinando fisicamente aqui neste mundo, enquanto o Seu ensino mostra que o Seu reino é espiritual. 

Quinto, a ideia de um milênio na terra e a posição de preeminência dos judeus, reintroduz aquela distinção entre judeus e gentios já abolida (Cl 3:11; Ef 2:14,19). Só existe uma igreja e uma noiva, formada de judeus e gentios. 

Sexto, a ideia do milênio terrenal ensina que haverá pelo menos duas ressurreições, uma de crentes antes do milênio e outra de ímpios depois do milênio e isto está em oposição ao que o restante da Bíblia ensina (Jo 5:28-29; Jo 6:39,40,44,54; 11:24). 

Sétimo, a ideia do milênio cria a grande dificuldade da convivência do Cristo glorificado com os santos glorificados vivendo com homens ainda na carne (Fp 3:21). 

Oitavo, como conceber a ideia de que as nações estarão sob o reinado de Cristo mil anos e depois elas se rebelam totalmente contra Ele (20:7-9)? 

Nono, a cena descrita por João em Apocalipse 20 de forma alguma ocorre na terra; é uma cena celestial. 

Décimo, todo o ensino do Novo Testamento é que o juízo é universal e segue imediatamente à segunda vinda, mas a crença no milênio terrenal, o juízo acontece mil anos depois da segunda vinda e só para os incrédulos. 

Arthur Lewis diz que constitui-se um obstáculo intransponível a ideia pré-milenista que ensina a permanência de pecadores convivendo com os santos glorificados durante o reino milenar de Cristo na terra. [01] Nesta mesma linha W. J. Grier fala dos paradoxos de um reinado de mil anos: 1) Os santos glorificados estarão em uma terra ainda não “glorificada” ou renovada, isto é, ainda não purificada pelo fogo; 2) Santos, com corpos glorificados, se misturarão com santos e com pecadores que não terão corpos glorificados; 3) Satanás será acorrentado para que não mais engane as nações; apesar disso, elas continuarão, realmente, inimigas de Cristo, prontas para obedecer a Satanás e a guerrear contra os santos, tão logo termine o milênio. Os rebeldes parecem até mais numerosos que os justos, ao se findar esse período, pois são “como a areia do mar”, enquanto que os santos se reúnem em um “arraial” e em uma “cidade” e só fogo vindo do céu salva o frágil agrupamento. [02] O próprio Dr. Russell Shedd, um dos mais respeitados estudiosos do Novo Testamento dos nossos dias, diz:

“Nós não temos suficiente informação na Bíblia para responder a todas as perguntas levantadas. O que fica bem assegurado é a esperança que João coloca no fim de seu livro. Haverá um período (se ‘mil anos’ é literal ou não, não nos preocupa) de paz e segurança total”. [03]

O que, pois, são os mil anos? Martyn Lloyd-Jones responde:

“Sugiro-lhes que é uma figura simbólica com o intuito de indicar a perfeita extensão de tempo, conhecida de Deus, e unicamente de Deus, entre a primeira e a segunda vindas. Não são mil anos literais, mas a totalidade do período enquanto Cristo está reinando até que seus inimigos sejam feitos estrado de seus pés e Ele regresse para o juízo final”. [04]


[01] H. Barclay Swete. The Apocalipse of St John. Mcmillan. Londres. 1917: p. CXL. 
[02] Em todas a profecias do livro de Apocalipse, Cristo é apresentado como o vencedor (1:18; 2:8; 5:9-14; 6:2; 11:15; 12:9-11; 14:1,14; 15:2-4; 19:16; 20:4; 22:3). 
[03] Ricardo L. V. Mascareñas. Os Últimos Dias. Editora Candeia. São Paulo, SP. 2001: p. 23. 
[04] Charles R. Erdman. Apocalipse. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, SP. 1960: p. 8.