google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada

sábado, 6 de junho de 2020

O que você nunca soube sobre o homem da iniquidade




Um dos textos mais disputados pelos futuristas é o de 2ª Tessalonicenses 2:1-12, que fala sobre a vinda do Senhor e a manifestação do homem da iniquidade. Para muitos, senão para a maioria, parece ser um texto de difícil interpretação. Mas, quando nos voltamos para dois mil anos no tempo, e nos colocamos entre os primeiros leitores da Palavra, o texto em questão torna-se surpreendentemente esclarecedor. Neste artigo, vou analisar versículo por versículo (até o verso 12) desse texto de Paulo aos tessalonicenses.

A "vinda do Senhor", "a nossa reunião com Ele" e "o Dia do Senhor"   

  “Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos a que não vos demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se procedesse de nós, supondo tenha chegado o Dia do Senhor”.
                                                                           - 2ª Tessalonicenses 2:1-3

   De qual “vinda do Senhor” Paula fala? Que “reunião” é essa? E que “dia do Senhor” é esse? Vamos começar pela vinda do Senhor. Muito provavelmente, depois da 1ª carta aos tessalonicenses, a qual Paulo fala da ressurreição, arrebatamento e do dia do Senhor, alguém havia escrito uma carta para os crentes de Tessalônica com a assinatura de Paulo, deixando-os assustados ao ponto de pensarem que o Dia do Senhor havia chegado. A frase “havia chegado” é a tradução da palavra grega ἐνέστηκεν, que uma tradução literal seria “tivesse vindo”.

   É justamente aqui que temos uma grande questão: os tessalonicenses estavam pensando sobre a ressurreição e o arrebatamento de 1ª Tessalonicenses 4, ou sobre o Dia do Senhor de 1ª Tessalonicenses 5? É muito importante termos essas duas perguntas em mente, pois, ao contrário do que muitos pensam, o assunto de 1ª Tessalonicenses 4 é diferente do assunto de 1ª Tessalonicenses 5. É justamente o capítulo 2 de 2ª Tessalonicenses que ajuda esclarecer qualquer confusão da carta de 1ª Tessalonicenses.

   Eu não acredito que os tessalonicenses estivessem perturbados com a possibilidade de ter chegado a Segunda Vinda descrita em 1ª Tessalonicenses 4. As palavras de Paulo são tão claras nesses versículos que era só os crentes de Tessalônica olharem ao redor para verem que não havia mortos ressuscitados e nem crentes sendo arrebatados. Além disso, o texto é muito claro quando diz que a preocupação dos tessalonicenses era a respeito se o “Dia do Senhor” havia chegado. Não tenho dúvidas de que o “Dia do Senhor” descrito em 1ª Tessalonicenses capítulo 5 é uma profecia da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. Era esse evento que preocupava os crentes de Tessalônica. Alguém perguntará: “O que o juízo divino da destruição de Jerusalém afetaria aos crentes de Tessalônica?”               

   Quem estuda o Preterismo sabe que o julgamento do ano 70 d.C. ficou concentrado em Jerusalém e teve consequências em todo o Império Romano. Leia, a seguir, um outro artigo meu diz sobre isso:

   “Precisamos entender que, para os judeus, a destruição de Jerusalém não era considerada apenas como um evento localizado, mas tinha implicações cósmicas e eternas. A cidade de Jerusalém e seu Templo para o judaísmo era o centro do mundo, enquanto que os demais países eram considerados como os “confins da terra”. O judeus acreditavam que se Jerusalém se encontrava em paz, era sinal de que tudo estava bem com a criação e seu relacionamento com seu Deus (Salmos 41:11). A queda da cidade de Jerusalém e a destruição de seu Templo significava que a relação com Deus havia sido cortada (Confira o livro de Lamentações).

   O Senhor Jesus Cristo desmente a ideia de que a Grande Tribulação localizada em Jerusalém não teria influência na vida de outros países ao redor, ou mesmo longe de Israel.  Quando profetizou o fim do Templo, Ele disse que antes de sua queda a mensagem do evangelho do Reino seria pregada “por todo o mundo” (oikoumene) "para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim" (Mateus 24:14). Se o evento da Grande Tribulação não tivesse influencia em todo o Império Romano, por que seria pregado em Atenas, Roma, Corinto, Espanha etc.? É interessante que o uso da palavra grega oikoumene para “mundo” em Mateus 24:14, é a mesma usada por Paulo em Atos 17:31. Isto indica que claramente a mensagem da queda de Jerusalém seria conhecida por todos ao redor e teria implicações em suas vidas.

   O Sermão profético descrito em Mateus 24 é também falado na passagem paralela de Lucas 21. O evangelho de Lucas é bem mais claro e direto sobre a questão da localidade da Grande Tribulação. No versículo 25, o Senhor Jesus descreve que na queda de Jerusalém, haveria “sobre a terra, angústia entre as nações em perplexidade por causa do bramido do mar e das ondas; haverá homens que desmaiarão de terror e pela expectativa das coisas que sobrevirão ao mundo; pois os poderes dos céus serão abalados” (Lucas 21:25-26).

   Temos nessas declarações de Jesus que o mesmo mundo que ouviria as advertências do julgamento sobre Jerusalém, seria também o mesmo mundo que seria julgado em Atos 17:31. Sendo assim, o mundo romano estaria em grande angústia no momento da queda de Jerusalém. O texto de Apocalipse 3:10 confirma a mesma ideia quando Jesus promete a igreja de Filadélfia (igreja longe de Jerusalém), que “eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra”. A palavra "mundo", mais uma vez, é oikoumene. É interessante que ao mesmo tempo em que a provação viria sobre o "mundo inteiro", em paralelo, viria “para experimentar os que habitam sobre a terra”, sendo esta frase uma referência a “terra de Israel”.[1]

  Fica claro, então, que a preocupação dos tessalonicenses era com o "Dia do Senhor" que traria julgamento em todo o mundo romano, principalmente em Jerusalém. No mesmo contexto em que fala do Dia do Senhor em 1ª Tessalonicenses capítulo 5, Paulo exorta:

   “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.
                                                                  - 1ª Tessalonicenses 5:23

   Uma vez que além do espírito e da alma estava também incluído o “corpo” dos tessalonicenses na santificação, para a vinda do Senhor, isto significa que essa vinda estava próxima deles. Com certeza os tessalonicenses não poderiam conservar irrepreensível para a vinda de Cristo um corpo que estava se decompondo na sepultura. Claramente essa vinda estava perto deles, e eles estariam vivos para vê-la, e era a vinda em julgamento contra Jerusalém e em todo o mundo romano.

E a nossa "reunião" com Ele?

   Se o Dia do Senhor é o juízo sobre Jerusalém e sobre o mundo romano, o que seria “à nossa reunião com ele” (1ª Tessalonicenses 2:1)? Muita gente pensa que essa “reunião” trata-se do arrebatamento da Igreja. Aqui está mais um engano!  

   A “reunião” aqui em questão não se trata de um “arrebatamento” para os céus, pois a palavra grega para reunião é episinagoge e tem o significado de “sinagoga de cima”, “o mais alto encontro”, “a mais alta reunião”. Era essa reunião que o apóstolo Paulo esperava em seus dias.

   As igrejas cristãs no primeiro século eram chamadas de “sinagogas”. O que temos principalmente na queda de Jerusalém no ano 70 d.C. é a reunião dos eleitos de Deus no Corpo de Cristo. A Igreja ao invés de ficar perdidamente separada sem a referência de Jerusalém e seu Templo é reunida em uma única sinagoga. Este era o plano de Deus para Israel que não foi cumprido devido a rebeldia dessa nação, conforme Mateus 23:37:

   “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar [episinagoge] os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!”

   A “reunião” futura dos filhos de Deus em uma só nação espiritual, o Israel de Deus, profetizada no Antigo Testamento e que aconteceria depois da morte, ressurreição e Ascenção de Cristo é profetizada em várias passagens (Deuteronômio 30:3; João 10:16; 11:51-52; Tiago 2:1-2; Hebreus 10:25).

   Uma vez que a Igreja passa a ser a verdadeira Sinagoga de Deus, as sinagogas judaicas espalhadas pelo mundo foram consideradas “sinagogas de Satanás” (Apocalipse 2:9; 3:9). A queda de Jerusalém no ano 70 d.C. marca a vinda de Cristo em juízo, momento este em que os anjos “reúnem” os “escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus” (Mateus 24:31). Era esta a “reunião” que Paulo esperava em seu tempo, a inauguração da Sinagoga de Deus, não mais confinada no pequenino país de Israel, e nem mais com um templo físico, mas agora o Templo é o Corpo de Cristo espalhado pelo mundo.

O homem da iniquidade

   “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniquidade, o filho da perdição, 4o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus".
                                                                       - 1ª Tessalonicenses 2:3-4

   O apóstolo Paulo passa agora a consolar os tessalonicenses mostrando que o Dia do Senhor não havia chegado ainda, pois precisava ser precedido de dois eventos: a apostasia e a revelação do homem da iniquidade. Além de 1ª Tessalonicenses 2, a palavra “apostasia” aqui em questão aparece mais uma vez em Atos 21:21. Essa palavra pode, historicamente falando, se aplicar a uma revolta política ou religiosa. O Dr. Kenneth Gentry Jr. comenta:

   “Um bom caso pode ser feito em suporte da visão que o termo fala da apostasia/rebelião judaica contra Roma. Josefo sem dúvida fala da Guerra Judaica como uma apostasia contra os Romanos (Josefo, Life 4). Provavelmente Paulo une os dois conceitos de apostasia religiosa e política aqui, embora enfatizando a erupção da Guerra Judaica, que era o resultado da sua apostasia contra Deus”.[2]

   Portanto, não se trata de uma apostasia futura da Igreja, antes da Segunda Vinda de Cristo. Trata-se de uma apostasia que ocorreria antes da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C.

   Em relação ao homem da iniquidade, quando no verso 4 de 2ª Tessalonicenses capítulo 2 diz que ele “se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus”, temos uma possível referência ao imperador romano Nero. Se é assim, quando que ele se assentou como Deus no templo de Jerusalém? perguntará alguns. De acordo com o Dr. Kenneth Gentry Jr., a construção gramatical grega dessa frase indica “um propósito tencionado, não necessariamente um propósito consumado”. Houve outros imperadores, como Calígula, que tiveram a intenção de assentar-se no “templo de Deus” em Jerusalém, com o desejo de “mostrar que é Deus”. De todos os maus intentos e propósitos dos imperadores romanos, somente o futuro imperador Tito foi quem concluiu a devastação de Jerusalém iniciada por Nero e profanou o templo oferecendo sacrifícios com grandes aclamações de alegria. Todos os fatos históricos apontam que está correto o entendimento preterista da passagem de 2ª Tessalonicenses 2:4.

   “Não vos recordais de que, ainda convosco, eu costumava dizer-vos estas coisas?
   E, AGORAsabeis o que o detém, para que ele seja revelado somente em ocasião própria".
                                                    - 2ª Tessalonicenses 2:5-6 - o grifo é meu.

   Um dos grandes debates dos interpretes modernos é sobre “quem” detém o homem da iniquidade de se manifestar. Uns dizem que é o Espírito Santo que será retirado da Terra, outros dizem que é a Igreja (enquanto a mesma estiver na Terra impede a manifestação do Anticristo). Acredito que enquanto ficam especulando, os intérpretes modernos PERDEM O PONTO PRINCIPAL sobre os “indicadores de tempo” - os quais mostram sobre QUANDO o homem da iniquidade iria se manifestar. A palavra “agora” aparece duas vezes (vs. 6-7) e a frase “já o mistério da injustiça opera”, uma vez (vs. 7), indicando assim a proximidade do cumprimento da profecia para aqueles dias. Enquanto os intérpretes modernos ficam discutindo sobre a identidade de “quem” detém o homem da iniquidade, os tessalonicenses há dois mil anos sabiam muito bem, pois Paulo disse: “E agora vós SABEIS o que o detém”. O homem da iniquidade foi um contemporâneo dos tessalonicenses, e não será um suposto Anticristo em nosso futuro.  

A derrota do homem da iniquidade

   “Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém; então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda”.
                                                                                   - 2ª Tessalonicenses 2:7-8

   Alguns irão afirmar que se Nero é o homem da iniquidade de 2ª Tessalonicenses capítulo 2, então, a história deve ter registrado quando Jesus o mata com “o assopro da sua boca” (2ª Tessalonicenses 2:8). Devido ao literalismo rígido, os intérpretes modernos pensam que Jesus viria como um Superman literalmente assoprando sobre Nero. A ideia de Deus matar os perversos com o sopro de Sua boca é uma linguagem do Antigo Testamento que designa a ação de Deus sobre os homens maus, não precisando ser algo necessariamente literal (cf. Isaías 11:4; Jó 4:9). Portanto, o suicídio de Nero é o “sopro” da “boca” de Deus trazendo juízo sobre ele.

Nero fez algum milagre?

   "Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos.
    É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça".
                                                                             - 2ª Tessalonicenses 2:9-11

   Outra argumentação para refutar que Nero foi o homem da iniquidade é o pedido de uma prova histórica de que ele fez “sinais e prodígios”. Em primeiro lugar, o texto não diz que o imperador romano Nero fez “sinais e prodígios”, apenas diz que “o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira”.

   A chegada de um imperador ao poder é carregada de sinais. Tal arrogância imperial produziu supostos milagres como confirmação. Vespasiano é chamado de “o operador de milagres, pois por ele ‘muitos milagres aconteceram’” (Tacitus, Histories 4:81; Suetonius, Vespasian 7).

   O Senhor Jesus Cristo em seu sermão profético garantiu que ainda naquela geração dos primeiros discípulos haveria sinais e prodígios da parte de falsos profetas:

   “...porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos”.
                                                                                       (Mateus 24:24, 34)

Conclusão

   O objetivo deste artigo não é fazer um longo e extenso estudo sobre a ideia de Nero ser o homem da iniquidade. O principal ponto que destaco aqui - que inclusive - é ignorado pela maioria dos evangélicos, são os indicadores de tempo encontrados em 2ª Tessalonicenses capítulo 2, com o uso duas vezes da palavra “agora” e uma vez da palavra “já”, indicando que a busca por um suposto Anticristo em nosso futuro é vã. O homem da iniquidade de Paulo é um personagem que foi derrotado no primeiro século da era cristã e eu acredito que o mesmo foi Nero – embora a frase “homem da iniquidade” possa ser também um termo genérico, representando uma coletividade de falsos profetas que houve naquela época.     



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Notas:

1. O Preterismo e o Problema do Juízo Localizado... Por César Francisco Raymundo. www.revistacrista.org    Acessado dia 20 de Setembro de 2019.

2. O Homem da Iniquidade - Uma Interpretação Preterista Pós-Milenista de 2 Tessalonicenses 2 - Dr. Kenneth L. Gentry, Jr. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. www.monergismo.com 





segunda-feira, 11 de maio de 2020

Ainda esperando por uma Tribulação de Sete anos




Em meu debate com Thomas Ice em 26 de maio de 2006, sobre se a Grande Tribulação é passada ou futura, eu pedi que Ice oferecesse como evidência um único versículo de Apocalipse que dissesse que haverá um período de sete anos de tribulação. Embora haja uma série de setes em Apocalipse (o número aparece mais de cinqüenta vezes) e muitas sete coisas, em tudo, desde as sete igrejas (1:4), espíritos (3:1), castiçais (2:1) e estrelas (1:16) até as sete montanhas (17:9), cabeças (12:3), reis (17:10) e pragas (21:9),2 não há nenhuma menção de sete anos. De fato, “sete anos” aparece somente uma vez em todo o Novo Testamento (Lucas 2:36),3 e esse versículo não tem nada a ver com o período de Tribulação. 
 
Como no caso do arrebatamento pré-tribulacional, da reconstrução do templo, de Israel se tornando uma nação novamente, Jesus reinando sobre a terra por mil anos, o anticristo fazendo um pacto com os judeus e quebrando-o, aqui está outra doutrina chave dispensacionalista que não possui nenhum versículo para apoiá-la no livro profético mais importante da Bíblia. É legítimo perguntar por que Apocalipse não menciona sete anos, visto que o tempo é crítico para o cenário dispensacionalista de Ice. Há dois períodos de quarenta e dois meses (11:2; 13:5), dois períodos de 1.260 dias (11:3; 12:6), e um “um tempo, tempos e metade de um tempo” (12:14), cada um desses períodos somando 3 anos e meio. Se eles forem somados, o resultado é dezessete anos e meio. Se os anos correm ao mesmo tempo, então cada um desses períodos de tempo está descrevendo o mesmo período de três anos e meio. Ice não explica como ele consegue tirar sete anos dessas cinco referências.  Qual dos três anos e meio acontece com a metade da Tribulação, e qual dos três anos e meio acontece com a segunda metade? 
 
No livro Prophecy Study Bible de Tim LaHaye, do qual Ice é editor, a divisão é explicada dessa forma: “João, em Apocalipse, divide [a Tribulação] em dois períodos de três anos e meio cada, ou 1.260 dias, num total de sete anos”. Onde é dito isso em Apocalipse? Não é possível encontrar na Bíblia nenhuma divisão específica de períodos de tempo semelhante. 
 
LaHaye tenta encontrar seus sete anos necessários em Apocalipse 11:2-3, onde lemos de um período de quarenta e dois meses (11:2) e um espaço de tempo de 1.260 dias (11:3). Ele combina esses dois períodos de tempo para conseguir seus sete anos necessários. Ele diz que os “quarenta e dois meses”, durante os quais a Cidade Santa será “calcada aos pés” (11:2), “não podem acontecer na primeira metade da Tribulação”. Segue-se então que os “quarenta e dois meses” de 11:2 constituem a segunda metade do período de sete anos. Confuso? Isso se torna ainda mais confuso à medida que tentamos descrever o que LaHaye insiste ser “a visão mais lógica da segunda vinda da Escritura quando tomado seu significado claro e literal sempre que possível”. Como é possível que o período de “duzentos e sessenta dias” (11:3), que é igual a “quarenta e dois meses” e vem logo após 11:2, acontecer no tempo, de acordo com LaHaye, antes dos eventos de 11:2? Se os “duzentos e sessenta dias” (11:3) referem-se à primeira metade do período de sete anos da Tribulação, então porque as “duas testemunhas” de Apocalipse 11 não aparecem antes? Deveríamos esperar encontrar três anos e meio em Apocalipse 4, onde LaHaye diz que o arrebatamento ocorre e a primeira metade do período de sete anos da Tribulação começa. Mas não encontramos! De fato, todos os períodos de três anos e meio aparecem na metade do Apocalipse. LaHaye tem que fazer muito malabarismo para conseguir que suas cinco divisões somem um período de sete anos. Se o parágrafo acima deixou você perdido, não se preocupe, você não está sozinho! 
 
Eu ainda estou esperando uma resposta de Ice à minha pergunta no debate: Onde, no Apocalipse, existe um versículo que diga que haverá um período de sete anos de tribulação? 


Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
 
Fonte: http://www.americanvision.org/articlearchive/06-05-06.asp 

domingo, 3 de maio de 2020

Uma grande Tribulação?




Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés. O SENHOR enviará o cetro da tua fortaleza desde Sião, dizendo: Domina no meio dos teus inimigos. (Salmo 110.1-2).

Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. (1 Coríntios 15.24-26).

A Bíblia ensina que Jesus reinará sobre a terra. Uma vez iniciado, não haverá nenhuma interrupção na história de Seu reino terreno sobre esta terra até que, por fim, a morte seja vencida. Porém sabemos que a morte terminará somente naquele dia final, quando cristo acabar com a rebelião final de Satanás, quando o diabo for lançado no lago de fogo (Apocalipse 20.7-10).

A pergunta chave quanto ao reino é: Quando começará Seu reino sobre a terra? Jesus falou claramente sobre isto. Disse a Seus discípulos depois de Sua ressurreição:

E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém! (Mateus 28.18-20)

Assim que, todo poder no céu e na terra já foi entregado a Cristo. Ah! Também sabemos que Ele está reinando com Deus no céu.

E qual a sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos e pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro. E sujeitou todas as coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos. (Efésios 1.19-23)

Cristo é o cabeça da igreja atualmente? Paulo disse que sim. Porém o que mais ocorre atualmente, segundo Paulo? A passagem é clara: Jesus Cristo já rege a terra desde o céu. Atualmente Ele está acima de todo principado, potestade, poder e senhorio. A que se refere isto? Aos espíritos demoníacos. Paulo escreveu nesta mesma epístola: “porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.” (Efésios 6.12).

Deus tem o controle. Jesus tem o controle. Todas as coisas em princípios estão sob os pés de Jesus. Todavia, é certo que na história os seres maléficos têm poder. Nós, como o povo de Cristo, lutamos espiritualmente contra eles. A guerra ente o bem e o real, continua diariamente na vida de cada cristão e na sociedade. Porém, em princípio, a vida é mais forte que a morte, porque a ressurreição de Jesus tem comprovado isto. A ressurreição é mais poderosa que a cruz. A luz é mais poderosa que as trevas (I João 1.9). O bem é mais poderoso que o real, porque Cristo já reina acima. O legado do “segundo Adão”, Jesus Cristo, é na história mais poderoso que o legado do primeiro Adão. A graça é mais poderosa que pecado.

Você não crê nisto? 

Por que uma “Grande Tribulação”?

Por que, então, crêem os cristãos que uma grande tribulação lhes espera no futuro – uma tão grande que nada na história poderá ser igualado a ela? A maioria dos cristãos crêem que não passarão pela tribulação, ainda que alguns pré-milenistas pós-tribulacionistas acreditam que sim. Porém, se Deus reina desde os céus, por que deve os cristãos esperar algo pior que os holocaustos “normais” do século vinte – as perseguições e os genocídios dos armênios, judeus, kulaks russos, ucranianos, dos cambodianos? É verdade que estes eventos tem sido terríveis, e é bem possível tenham mais, porém por que deve os cristãos esperar que ocorra outro evento fundamentalmente pior?

A resposta: Não deve esperar. Por quê? Porque a grande tribulação já ocorreu. Isto é o que David Chilton sustenta aqui na Grande Tribulação. Jesus advertiu a Seu povo de uma Grande Tribulação que ocorrerá no futuro muito próximo. No capítulo sobre a Grande Tribulação em Mateus, estão escritas as palavras de Cristo: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas aconteçam.” (Mateus 24.34). Sabemos pela passagem paralela de Lucas que a Grande Tribulação seria a destruição de Jerusalém por um exército, que veio a ser o exército romano:

Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei, então, que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judéia, que fujam para os montes; os que estiverem no meio da cidade, que saiam; e, os que estiverem nos campos, que não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. (Lucas. 21.20-22)

O comentário magnífico de David Chilton sobre o livro de Apocalipse se chama apropriadamente Days of Vengeance (Os Dias da Retribuição). Este pequeno livro é um breve exame dessas seções de Apocalipse que tratam da queda de Jerusalém no ano 70 d.C.

É possível que soe raro aos leitores que a tribulação já tenha ocorrido. Esta perspectiva foi muito comum ao longo da história eclesiástica, mas durante quase os últimos cem anos, muitos grupos bíblicos tem adotado outra perspectiva: A Grande Tribulação recairá sobre Israel (ou sobre todos, inclusive os cristãos) no futuro, e provavelmente no futuro próximo. A maior parte dos dispensacionalistas crê que a igreja será “raptada” (Arrebatada – Nota do tradutor) para fora do mundo antes de acontecer a Grande Tribulação; dispensacionalistas pós-tribulacionistas e os pré-milenistas históricos que não são dispensacionalistas crêem que a igreja passará pela grande tribulação.

No entanto, a Bíblia ensina que isto aconteceu no ano 70 d.C., e os cristãos não a experimentaram (fugiram a pé). Este livro apresenta aos leitores a teologia do juízo: particularmente, as sanções do juízo de Deus contra Israel. As sanções eram maldições. Deus deu bênçãos à Igreja e maldições ao Israel rebelde, que havia crucificado ao Senhor e pedido publicamente o julgamento de Deus sobre si mesmo: “E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” (Mateus 27.25). As maldições de Deus sobre Israel no ano 70 d.C. correspondiam a seu crime, a crucificação de Cristo. Este crime foi o maior (pior) na história; seu castigo foi o maior (pior) na história. O chamar a qualquer outra coisa de a “grande tribulação” é reduzir a grandeza do crime daquela.

Nossa Missão Integral

Dou-me conta de que isto desiludirá a muitos cristãos. Se a grande tribulação já aconteceu, então não haverá arrebatamento antes desta tribulação. O arrebatamento dos santos – a ressurreição dos santos mortos e a transformação dos que, todavia, vivem na terra (1 Coríntios 15.52) – fica suspendida até o último ato da história, quando Satanás se rebele e Cristo regresse para julgar ao mundo ( Apocalipse 20.7-10). Isto significa que até então, os cristãos permanecerão na terra como os agentes delegados do juízo de Deus na história, pregando o evangelho, aplicando a Lei de Deus a todas as esferas da vida, e subjugando a terra progressivamente para a glória de Deus (Gênesis 1.26-28). Isto significa que aqui na terra os membros da igreja não poderão escapar de nossos deveres cada vez mais pesados de exercer o domínio.

É triste, porém há milhões de cristãos hoje em dia que tem adotado uma teoria do futuro que ensina que a maior parte das pessoas morrerá e irá ao inferno – logo será jogada no lago de fogo por toda a eternidade (Apocalipse 20.14) – e a igreja não pode fazer nada para superar sua resistência ao evangelho. É que o Espírito Santo nunca mudará os corações da maioria da humanidade. Perecerão indubitavelmente. Com mais de 5 bilhões de pessoas vivendo atualmente, e com milhões de milhões a mais que nascerão nos próximos 40 anos, esta é uma doutrina pessimista do futuro. No entanto, os cristãos da atualidade preferem crer neste horrível plano a ter que aceitar o crescimento da Igreja e o triunfo do evangelho, devido ao fato que isto imporia a todos os que se chamam cristãos enormes responsabilidades. Antes bem, preferem que milhões de milhões de pessoas pereçam eternamente antes que admitir que eles, como cristãos, sejam mandados por Deus a aceitar as responsabilidades neste mundo – nas esferas que muitos cristãos chamam “seculares” – a causa de um avivamento mundial.

Os adeptos do “movimento teonomista” que também se chama de “reconstrução cristã”, proclamamos um avivamento mundial futuro e a submissão constante, voluntária das pessoas à Lei de Deus. Cremos que os cristãos receberão cada vez mais responsabilidades em todas as esferas da vida porque o mundo já não tem respostas factíveis. Deus nos dará estas obrigações, porém não por meio da revolução ou tirania. Mas bem, as dará àqueles a quem na história se submete voluntariamente a Deus, e os outros (até a rebelião final de Apocalipse 20) permitirão que os cristãos exerçam as funções sociais, políticas, militares e econômicas.

Cremos no aviamento. Cremos no evangelismo e nas missões estrangeiras. Assim também todos os cristãos. Mas nós os reconstrucionistas temos esta perspectiva única: cremos que estes esforços evangelísticos terão êxito na história. Quando rogamos que os outros cristãos intensificassem seus esforços para expandir o evangelho, oferecemos esta motivação singular: seus esforços finalmente terão êxito na história. O evangelho de Jesus Cristo não será um fracasso na história. O poder da ressurreição é maior que o poder do diabo, os seguidores humanos do diabo não poderão colocar obstáculos à mensagem mais poderosa na história do homem: que Jesus Cristo tem levado os pecados do homem, e que a maldade é vencida. À medida que o tempo passa, este evangelho triunfará na história.

O Novo Começo da Humanidade

Uma das anomalias da história intelectual moderna, é que o comentário talvez mais conciso e inteligente sobre a perspectiva cristã da história é substituída por um judeu secular que ensina direito na Universidade de Harvard. Na introdução de seu livro Law and Revolution[1] Horold J. Berman faz uma observação crucial sobre a centralidade da ressurreição no pensamento histórico cristão. Começa com uma asseveração importante acerca da atitude hebraica para o tempo histórico:

A diferença dos outros povos indo-europeus, inclusive os gregos que acreditavam que o tempo se repetia ciclicamente, o povo hebreu pensava do tempo como contínuo, irrecuperável, e histórico, conduzindo para uma redenção final. Acreditavam também, no entanto, que o tempo tem períodos dentro de si. Não é cíclico, mas pode ser que seja interrompido ou acelerado, avança. O Antigo Testamento não é somente um relato de mudança, mas de desenvolvimento, de crescimento, de movimento para o período messiânico – movimento muito irregular, é certo, com muitos retrocessos, porém para um movimento.

Berman depois explica como o cristianismo adotou esta perspectiva de tempo linear, agregando um novo elemento chave:

O cristianismo, contudo, agregou um elemento importante ao conceito judeu do tempo: a saber, a transformação do velho para o novo. A Bíblia hebraica se converteu no Antigo Testamento seu significado transformado por seu cumprimento no Novo Testamento. Na narrativa da Ressurreição, morte foi transformada a um novo princípio. Os tempos não somente foram acelerados, mas também regenerados. Isto inaugurou uma nova estrutura da história, na qual havia uma transformação fundamental de uma época em outra. Esta transformação, se acreditava, poderia ocorrer uma única vez: se consideravam a vida, morte e ressurreição de Cristo a única interrupção principal no curso do tempo linear desde a criação do mundo até que termine completamente (págs.26-27).

A Grande Tribulação mostra que esta transformação da velha ordem para a nova, para a de Cristo, se manifestou decisivamente no encerramento público do primeiro: a queda de Jerusalém e a destruição do templo e seu sistema sacrificial. Isto foi o abalo dos alicerces na história.

Os cristãos praticamente desconhecem os eventos do ano 70 d.C. As perspectivas escatológicas que esperam a grande tribulação no futuro tem causado a falta de atenção da história da queda de Jerusalém na literatura cristã popular. David Chilton tem realizado um grande serviço educacional para a Igreja de Jesus Cristo ao recordamos que tão transcendental foi a queda de Jerusalém. Desde a queda de Jerusalém até a conversão futura dos judeus (Romanos 11), que inaugurará um período de bênçãos terrenas sem precedentes (VS.12-15), nenhum outro evento se iguala como a manifestação da nova ordem de Cristo.

O que precisamos compreender é que Satanás é um grande imitador. Deus o derrotou no Calvário, porém, todavia ele intenta derrotar aos cristãos em suas vidas. Deus impôs uma grande tribulação à velha ordem dos hebreus apóstatas, mas Satanás imita a Deus impondo holocaustos à humanidade por meio dos seus seguidores. Cristo inaugurou uma nova ordem mundial, e da mesma forma, os seguidores de Satanás atualmente prometem levar a cabo uma nova ordem mundial. Assim procuram os marxistas e os mulçumanos, também procuravam os nazistas, e atualmente o movimento da Nova Era tenta conseguir. Todas são falsificações. Não aceite substitutos! Lembre-se das palavras de Cristo: “Mas, se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é conseguintemente chegado a vós o Reino de Deus.” (Mateus 12.28).

Ele lançou fora os demônios pelo Espírito de Deus, assim que o Reino de Deus havia vindo até eles. O reino já é nossa herança como membros da nova nação de Cristo, a Igreja, como disse aos judeus de seu tempo: “Portanto, eu vos digo que o Reino de Deus vos será tirado e será dado a uma nação que dê os seus frutos.”(Mateus 21.43). A nova ordem mundial de Cristo tem chegado, e a queda de Jerusalém é a prova. Como Berman disse da ressurreição: “Isto inaugurou uma nova estrutura da história, na qual houve uma transformação fundamental de uma era para outra. Esta transformação, se acreditava, poderia acontecer uma única vez: considerava-se que a vida, morte e ressurreição de Cristo fosse a única interrupção principal no curso do tempo linear desde a criação do mundo até sua consumação final”. O pior já passou!

Fonte: www.jrcalvino9.wordpress.com/tag/preterismo/
 
_____________________
Notas:
1. Law and Revolution: The Formation of the Western Legal Tradition, (Cambridge,
....Massachusetts and London, England: Harvard University Press, 1983).
....(Lei e Revolução: A formação da tradição legal occidental)

domingo, 26 de abril de 2020

Quando vai começar a Grande Tribulação?




A Grande Tribulação. Um período de sofrimento e horror. Muitos pregadores hoje dizem que os fiéis serão arrebatados e as outras pessoas terão que passar por terrível sofrimento durante um período de sete anos conhecido como "A Grande Tribulação".

Você já encontrou tudo isso na Bíblia? As palavras "arrebatados" e "grande tribulação"  se encontram lá, mas não da maneira que muitas pessoas pregam hoje. Vamos considerar o ensinamento bíblico sobre a grande tribulação.

A palavra "tribulação" aparece 43 vezes na Bíblia (ARA2) e tem o sentido de sofrimento, opressão e perseguição. É usada em muitos contextos diferentes para descrever diversos tipos de agonia. A frase "grande tribulação" se encontra apenas quatro vezes nas Escrituras (ARA2). Ao invés de elaborar uma doutrina bem definida de um período que segue o "arrebatamento" e traz angustia sobre os que ficam na terra, a Bíblia usa a expressão "grande tribulação" para descrever coisas diferentes. Considere as passagens:


Mateus 24:21 fala sobre o sofrimento que aconteceu na destruição de Jerusalém em 70 d.C. A profecia foi cumprida naquela geração (Mateus 24:34).

Atos 7:11 usa essas palavras quando cita a grande fome da época de Jacó. Os detalhes históricos se encontram em Gênesis, capítulos 41 a 46.

A grande tribulação de Apocalipse 2:2 é o castigo que Deus prometeu aos cristãos em Tiatira que toleravam a imoralidade de Jezabel.

Apocalipse 7:14 faz parte de uma visão consoladora que foi revelada a João para confortar os cristãos perseguidos. A mensagem dessa visão, e do livro no qual ela se encontra, foi escrita para assegurar os perseguidos no primeiro século que receberiam a recompensa depois do sofrimento.

Sofrimento e perseguição podem acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora, mas nenhuma destas passagens fala de um período futuro de grande tribulação. A doutrina popular que haverá sete anos de Grande Tribulação vem da imaginação de homens hábeis em tirar versículos do seu contexto para defender suas idéias. A Bíblia não ensina tal doutrina.

Ao invés de nos preocupar com predições do arrebatamento e da Grande Tribulação, devemos nos preparar para a volta de Jesus, que virá como ladrão (2 Pedro 3:10).


domingo, 19 de abril de 2020

A Grande Tribulação: Local ou Global?




Um dos argumentos usados pelos dispensacionalistas contra um cumprimento no primeiro século do Sermão da Oliveira (Mt. 24) é a alegação deles que somente uma tribulação mundial poderia dar significado aos eventos proféticos. Por exemplo, Larry Spargimino argumenta que “os preteristas sentem-se biblicamente justificados em concluir que nada mais que um desastre no primeiro século sobre Jerusalém é necessário para satisfazer os requerimentos dessas predições”. Spargimino está assumindo a validade de sua posição futurista e então  usando-a como seu paradigma interpretativo. 
 
 Spargimino já considerou que a primeira vinda de Jesus aconteceu no primeiro século, no mesmo pequenino país de Israel? Jesus nem sequer nasceu na capital da nação, mas na pequena cidade de Belém (Mt. 2:6). Seguindo a lógica interpretativa de Spargimino, Jesus deveria ter nascido em Roma, o centro do mundo conhecido do primeiro século. O nascimento, ministério, morte, ressurreição e ascensão de Jesus foram eventos locais. Seu nascimento foi testemunhado por alguns pastores sem nome que por acaso estavam no campo naquela noite (Lucas 2:8). Somente Simeão encontrou Jesus e seus pais no templo e o reconheceu como o Salvador prometido de Deus (2:25-32). Após isso, Jesus apareceu por um momento passageiro no templo quando tinha doze anos de idade (2:41-52). Não o vemos novamente até que tenha aproximadamente 30 anos (3:1-22). Em termos de uma audiência mundial, somente umas poucas pessoas viram a crucificação de Jesus. Seus próprios discípulos o desertaram (Mt. 26:56). Nenhum ser humano testemunhou sua ressurreição. Os apóstolos, não uma audiência televisiva mundial, viram Jesus “subir” em sua ascensão (Atos 1:9). Mesmo assim, todos esses eventos locais tiveram importância cósmica: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Um evento restrito a um local do primeiro século, teve implicações mundiais. A natureza local de um evento não obscurece sua importância. Sabemos mais sobre a destruição de Jerusalém do que sobre Jesus nas obras de Josefo. Spargimino quer que creiamos que somente uma conflagração mundial, uma tribulação global, satisfaz as demandas do Sermão da Oliveira (Mt. 24; Marcos 13; Lucas 21) e Apocalipse. Tolice! Na realidade, 

faz mais sentido crer, juntamente com o que sabemos sobre aqueles judeus do primeiro século que conspiraram para matar Jesus (Atos 2:23), que somente um evento do primeiro século, antes de 70 d.C, está em vista. Por que punir o mundo pelo que somente uma geração de judeus fez? Em meu debate com Thomas Ice na Conferência da American Vision, em Maio de 2006, ele tentou o mesmo tipo de lógica em sua declaração de fechamento. Ele tentou estabelecer o caso que visto que a Grande Tribulação é comparada com o dilúvio, e o dilúvio foi global, então a Tribulação deve ser global também. Primeiro, o texto de Mateus 24 nos diz que o evento não seria global. Seria confinado à Judeia (Mt. 24:16). As pessoas poderiam escapar da conflagração fugindo para as montanhas a pé. Isso dificilmente seria uma descrição de um evento mundial. Segundo, existem várias pessoas que não creem num dilúvio global que sustentam uma Grande Tribulação futura global. Aparentemente eles não vêem a lógica da posição de Tommy. Terceiro, a Bíblia compara uma conflagração ardente local com o tempo dos “dias do Filho do homem” (Lucas 17:26), que creio ser uma referência ao julgamento vindouro de Jesus na destruição do Templo e a cidade de Jerusalém em 70 d.C. A seguir, dirigiu-se aos discípulos: Virá o tempo em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. E vos dirão: Eilo aqui! Ou: Lá está! [Mt. 24:26] Não vades nem os sigais; porque assim como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma à outra extremidade do céu, assim será, no seu dia, o Filho do Homem [Mt. 24:27]. Mas importa que primeiro ele padeça muitas coisas e seja rejeitado por esta geração [Mt. 23:36; 24:34]. Assim como foi nos dias de Noé, será também nos dias do Filho do Homem: comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio e destruiu a todos [Mt. 24:37-39]. O mesmo aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam;  mas, no dia em que Ló saiu de Sodoma, choveu do céu fogo e enxofre e destruiu a todos. Assim será no dia em que o Filho do Homem se manifestar.  Naquele dia, quem estiver no eirado e tiver os seus bens em casa não desça para tirá-los; e de igual modo quem estiver no campo não volte para trás [Mt. 24:16-20]. Lembrai-vos da mulher de Ló (Lucas 17:22-32). 
 
Os paralelos com Mateus 24 são notáveis. Observe as duas histórias do Antigo Testamento usadas: o dilúvio de Noé que “veio... e destruiu a todos” (17:27) e o dia que Ló saiu de Sodoma e “choveu do céu fogo e enxofre e destruiu a todos” (17:29). A destruição de Sodoma foi local e, todavia, é usada para descrever a Grande Tribulação. Observe a linguagem abrangente: “e destruiu a todos”, isto é, todos aqueles de Sodoma, não todas as pessoas do mundo. 

Tradução:  Felipe Sabino de Araújo Neto

domingo, 12 de abril de 2020

Disitintivo Escatológico de Lutero - Parte 2




ANTICRISTO, SONO DA ALMA E RESSURREIÇÃO

À luz do entendimento geral de Lutero sobre a história da redenção, a restauração do evangelho e a percepção de que o fim está próximo, podemos notar três pontos adicionais de ênfase em seu pensamento escatológico. Primeiro, vamos considerar a identificação que Lutero fazia do papado com o anticristo, e, em segundo lugar, examinaremos sua opinião de que, após a morte, a alma“dorme ”até a ressurreição. Em terceiro lugar, discutiremos o entendimento singular de Lutero acerca da ressurreição e do segundo advento de Jesus Cristo como a esperança do cristão de escapa da ira escatológica de Deus no dia do juízo.

Embora no período medieval muitos tenham identificado papas individuais como sendo o anticristo, uma das contribuições mais significativas de Lutero para o pensamento escatológico protestante subsequente foi a identificação do ofício do papado como o trono do anticristo, assegurando que o papa é o fiel escudeiro do Diabo e a fonte de muitos dos incontáveis males que assolam os fiéis. Ao fazer essa identificação, Lutero afirmou que o que estava oculto no conflito secular entre Deus e o Diabo fora agora trazido à tona com o surgimento do anticristo, cuja derrota final marcaria o estágio derradeiro da história humana. Nos Artigos de Esmalcalde, de 1537, Lutero deixou sua opinião clara: O papa não é a cabeça de toda a cristandade por direito divino ou de acordo com a Palavra de Deus. [...] [Ao contrário], o papa é o verdadeiro anticristo que se levantou para se colocar no lugar de Cristo e fazer oposição a ele, pois o papa não permitirá que pessoas sejam salvas, exceto por seu próprio poder, o que não equivale a nada, uma vez que isso não é estabelecido nem ordenado por Deus. Esse é realmente aquele de quem o apóstolo Paulo diz que se exalta sobre e contra Deus.

E Lutero acrescentou: “Por que o papa está tão cheio de heresias e as introduziu uma após a outra no mundo? [...] Ele é e continua a ser o maior inimigo de Cristo. Ele é e continua a ser o verdadeiro Anticristo”. Novamente, ele declarou: “Cristo diz sim, mas o papa diz não. Uma vez que eles são tão opostos um ao outro, um deles certamente deve estar mentindo. Mas Cristo não mente, portanto, concluo que o papa é um mentiroso e, além disso, o verdadeiro anticristo”. Como Paul Althaus assinala, para Lutero,“os acontecimentos escatológicos estão ocorrendo no meio do presente. Porque o anticristo já está presente, Lutero espera e deseja que o fim venha num futuro próximo”. Além disso, Lutero “deseja isso”, porque a vinda de Jesus “trará fim ao anticristo e trará a redenção. Lutero chamava-o ‘o dia mais feliz’”.

Sem dúvida, a ênfase escatológica mais inovadora de Lutero foi o “sono da morte ”. Incontáveis pessoas de sua época estavam preocupadas com a morte e com questões relacionadas à natureza do estado intermediário e do paraíso – questões levantadas pela doutrina romana do purgatório. Quem vai para o purgatório e não para o inferno? Por quanto tempo as pessoas permanecerão lá antes de se tornarem suficientemente purificadas? Como os fiéis vivos poderiam encurtar o tempo que seus entes queridos passarão no purgatório? Havia até mesmo mapas topográficos disponíveis para dar respostas, e Lutero os conhecia.

A resposta de Lutero a esse temor e às dúvidas inquietantes foi contrapor com a certeza de que aqueles que morrem em Cristo estão seguros da vida eterna e da libertação futura da ira de Deus. Mas, se um cristão morrer antes do regresso do Senhor, Lutero ensinou que ele “descansa no seio de Cristo”, não em um estado de limbo. Usando a morte de Abraão como ilustração, Lutero escreveu: A morte dos santos é muito pacífica e preciosa aos olhos de Deus (Salmos 116:15) e [...] os santos não provam a morte, mas, mais agradavelmente, dormem (Isaías 57:1,2; 26:20). [...] Aos olhos do mundo, os justos são desprezados, repelidos e empurrados para o lado. Sua morte parece extremamente triste, mas eles estão dormindo um sono mais agradável. Quando deitam na cama e respiram pela última vez, eles morrem como se o sono estivesse caindo gradualmente sobre seus membros e sentidos.

De acordo com Köstlin, “a questão de importância principal é e permanece sempre para [Lutero] que a alma dos piedosos certamente ainda vive, está livre de toda angústia e tentação, e tem, na presença de Deus e na mão de Cristo, descanso seguro e abençoado ”. Mas o que ocorre com aqueles que dormem em Cristo? O que acontecerá com eles no último dia? Isso leva ao terceiro distintivo escatológico em Lutero: seu ensino sobre a ressurreição e o segundo advento de Jesus Cristo como a esperança do cristão de escapar da ira de Deus no dia do juízo.

Dos que dormem em Cristo, Lutero disse: “Assim como um homem que adormece e dorme profundamente até a manhã não sabe, quando acorda, o que aconteceu com ele, assim nós subitamente ressuscitaremos no último dia; e não saberemos como foi a morte ou como passamos por ela ”.O último dia, como Lutero entendia, tinha de vir logo, pois o anticristo havia sido revelado e o evangelho tinha sido pregado na maior parte da terra. Entretanto, a iniquidade também aumentaria, a despeito do fato de que a “dissolução do mundo está à porta”. Aqueles que estão em Cristo despertarão quando o corpo deles for ressuscitado e entrarão na vida eterna e na bem-aventurança que o Senhor lhes preparou, enquanto homens maus, juntamente com o Diabo e seus anjos, entrarão na morte eterna.

A base para o cristão despertar do sono quando Jesus retornar é para ser encontrada no batismo: “O nascimento espiritual é iniciado no batismo, prossegue e aumenta, mas somente nos últimos dias seu significado pleno ocorre. Somente na morte somos levados corretamente do batismo pelos anjos para a vida eterna ”.Lutero compreendeu o batismo na água como um batismo na morte de Jesus e no sepultamento com Jesus; assim, o ato de
nova criação dado no batismo é, portanto, progressivamente realizado até o retorno do Senhor. A nova criação alvoreceu no túmulo de Cristo e, pela fé, na pia batismal, e será consumada no último dia. Estar unidos a Cristo em sua morte e ressurreição implica a participação plena em Cristo
e na vida eterna na forma de ressurreição do corpo no último dia. “Cristo nos espera na morte e no fim do mundo”.

Para Lutero, então, o dia do juízo era aquele em que “haverá uma grande destruição. Então, os elementos serão reduzidos a cinzas, e o mundo inteiro retornará a seu caos primordial. Em seguida, novo céu e nova terra serão formados e seremos transformados”. Por Lutero compreender que um céu e uma terra recriados estão ligados ao retorno de Cristo, isso não deixou lugar para um futuro reino milenar de Cristo na Terra, em algum momento depois de ele retornar, e sim antes do dia de juízo final, quando o chamado reino milenar terminaria (ou seja, pré-milenismo). No último dia,

“Cristo aparecerá e se revelará de tal maneira que todas as criaturas saberão e verão que ele tinha poder sobre seus inimigos. [...] Mas ele pretendia se ocultar dessa maneira para se revelar no tempo de sua escolha”. É por isso que nós, os cristãos, devemos “agarrar-nos à Palavra e nos fortalecer na fé, na paciência e na esperança até a hora de sua glória, de seu poder e de nossa redenção chegar”. Então, citando Apocalipse 22:20, Lutero afirmou: “Possa nosso Senhor Jesus Cristo vir para aperfeiçoar a obra que ele começou em nós, e apresse o dia de nossa redenção para a qual, pela graça de Deus, ansiamos com mãos erguidas e pela qual suspiramos e esperamos com fé pura e com boa consciência”.

Enquanto os cristãos lutam sob os Anfechtungen desta vida e temem os horrores da ira vindoura de Deus no dia do juízo, o evangelho nos lembra de que somos simultaneamente justificados mesmo enquanto permanecemos na condição de pecadores. Fomos unidos à morte e à ressurreição de Cristo em nosso batismo e por nossa fé em sua promessa de que ele já derrotou o mundo, a carne e o Diabo. Se Cristo é nosso Juiz, então, vivemos com o conhecimento de que ele tomou nosso julgamento sobre si.


Barrett, Matthew Teologia da Reforma / tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 1810 - 1818

domingo, 5 de abril de 2020

Distintivos Escatológicos de Lutero - Parte 1




HISTÓRIA REDENTORA, JUSTIFICAÇÃO E UM FIM IMINENTE

A igreja que Lutero procurava reformar era, em muitos aspectos, dominada pela visão medieval de que a graça aperfeiçoa a natureza e de que o reino de Deus se manifestava essencialmente nas instituições da igreja romana. A manifestação do reino de Deus, de fato, devia ser encontrada no dogma da igreja e na obra contínua de Deus nos ofícios e concílios da igreja. Tal igreja necessariamente estava acima e além de toda necessidade de uma reforma radical. Se a igreja e seu infalível magisterium possuíssem o exclusivo poder de amarrar e soltar, então, qualquer desenvolvimento histórico da igreja no futuro teria de estar ligado ao dogma e às decisões conciliares do passado. Nesse entendimento, a escatologia se preocupava principalmente com o futuro do relacionamento de Cristo com sua igreja, e a própria ideia de que a escatologia estava ligada à história era "totalmente estranha”.

A concepção de que o reino de Deus é manifesto em sua igreja explica a reação negativa àqueles que, à semelhança de Joaquim de Fiore, procuraram se concentrar nas últimas coisas à luz da história, e não da eclesiologia. Para combater essas aberrações problemáticas, Tomás de Aquino (1225–1274) não só criticou a escatologia especulativa de Joaquim, mas chegou até a afirmar que, quando a graça aperfeiçoar a natureza no tempo do fim, aquelas plantas e animais incapazes de tal perfeição deixarão de existir.43 Até a natureza humana será radicalmente transformada. Na avaliação de Torrance, “em última instância, a natureza se transforma em sobrenatureza, e a realidade terrena em realidade celestial”. 

Em grande medida, então, o pensamento escatológico dos reformadores deve ser encontrado em seu retorno à ênfase na história redentora lida através da lente da suficiência da Escritura como a última corte de apelação em todos os assuntos de doutrina. A revelação da obra redentora de Cristo na Palavra é essencialmente de natureza histórica, e esse renovado interesse pela história redentora levou os reformadores a olhar para além da síntese de Tomás de Aquino para antecedentes teológicos anteriores da igreja primitiva que os ajudassem a recuperar e a delinear seu entendimento do mandato missionário da igreja. Em contraste com a visão de Roma, os reformadores criam que o reino de Deus se manifestava pela pregação do evangelho, com os ministros enfocando a morte de Jesus como seu centro e a ressurreição do corpo como a esperança cristã. Esse entendimento também se opôs àqueles enfoques especulativos da escatologia de sua época que estavam preocupados com os sinais do fim e com interpretações fantásticas de textos bíblicos proféticos e apocalípticos.

Tanto Lutero quanto Calvino afirmaram que, na pessoa e na obra de Cristo, a nova criação já havia raiado e seria progressivamente revelada até o último dia, quando novo céu e nova terra se tornariam o lar eterno da justiça. Nas palavras de Torrance, em oposição a Roma e sua “interpretação docetista com respeito à redenção e à escatologia, os reformadores encontravam-se completamente indignados ”. A implicação dessa concepção “reformada ” da missão da igreja e de sua mensagem evangélica era que Deus trabalha na história e por meio dela no presente até Cristo voltar. A Palavra corretamente pregada e os sacramentos adequadamente administrados eram instrumentos do Espírito Santo para gerar a nova criação, que agora irrompe no presente. Em consequência, o reino de Deus era visto de forma dinâmica e tendo sido trazido pelo Espírito por intermédio da Palavra, em vez de estático e vinculado a concílios, tradições e instituições da igreja romana.

À medida que o pensamento de Lutero se desenvolvia nesse contexto, vemos uma cristalização de sua distinção entre o céu e a terra, juntamente com a antítese correspondente entre dois reinos divinamente ordenados – o da “graça” (reino de Cristo) e o do “ poder ” (o reino civil) – sobre os quais Jesus governa. A antítese de Lutero entre lei e evangelho, bem como entre pecado e graça, eram completamente escatológicas. A graça não transforma a natureza nesta vida, algo que Lutero conhecia bem de suas próprias lutas com as paixões pecaminosas da carne. A necessária transformação de sua alma não aconteceria muito em breve – Lutero compreendeu que morreria antes de ela ser concluída – e, mesmo assim, qualquer transformação que fosse realizada não poderia ajudá-lo a se tornar suficientemente justo diante de Deus para resistir ao juízo divino – algo que Luteria temia muito.

A solução para esse último problema é revelada por Deus no evangelho quando o pecador é declarado justo diante de Deus por meio da fé nos méritos de Cristo, para que seja libertado da ira escatológica de Deus no último dia. Justificação equivale a um veredito de “não culpado” no tribunal celestial, proclamado ao pecador pela Palavra muito antes da volta de Jesus Cristo no dia do julgamento (supondo que o retorno do Senhor ocorra muito tempo após a morte do pecador), quando o veredito de “não culpado” será finalmente completado na ressurreição do corpo e na vida eterna dos justificados. Isso não é uma mera ficção judicial, como Roma havia acusado Lutero de fabricar, pois a justiça que justifica os pecadores no presente é a do próprio Jesus, imputada ao pecador por meio do instrumento da fé, mas feita em antecipação ao veredito final de “não culpado”dado no dia do julgamento.

O dito de Lutero de que um pecador é simultaneamente um pecador e alguém considerado justo por meio da fé em Jesus Cristo, é inseparável de uma compreensão adequada da história redentora. A antítese entre lei e evangelho significa que o pecador justificado vive em dois “tempos”ou em duas “eras” : Portanto, o cristão está, dessa maneira, dividido entre dois tempos. Na medida em que é carne, ele está debaixo da lei; na medida em que é espírito, ele está sob o Evangelho. Sua carne sempre se apega à luxúria, à ganância, à ambição, ao orgulho etc. Assim, a ignorância acerca de Deus, a impaciência, os resmungos e a ira contra Deus são porque Deus obstrui nossos planos e esforços, e porque ele não castiga imediatamente os ímpios que o desprezam. Esses pecados se apegam à carne dos santos, portanto, se você não olhar para algo além da carne, permanecerá permanentemente sob o tempo da Lei. Mas esses dias foram abreviados, pois, caso contrário, nenhum ser humano seria salvo (Mateus 24:22). Um fim te de ser estabelecido para a lei, onde ela vai parar, portanto, o tempo da lei não é para sempre, mas tem um fim, que é Cristo. Contudo, o tempo da graça é para sempre, pois Cristo, morto uma vez por todas, nunca mais morrerá (Romanos 6:9,10). Ele é eterno; portanto, o tempo da graça também é eterno.

Por um lado, Lutero apontava que a vinda de Jesus Cristo marca uma ruptura fundamental com a antiga aliança. Por outro, o cristão ainda permanece na carne, sujeito às constantes exigências da lei, expondo o fato de que, mesmo aqueles que acolhem Cristo e são presentemente justificados, ainda permanecem pecadores. Lutero acreditava que, pelo fato de os justificados permanecerem “carne”, que Deus graciosamente encurtará os dias de luta até que Jesus Cristo volte para pôr fim à existência humana carnal, introduzindo a eterna era da graça. É nesse sentido, então, que a compreensão de Lutero sobre a salvação era completamente escatológica e era a base de sua expectativa de que o retorno de Cristo estivesse próximo.

O enquadramento escatológico de Lutero da doutrina da justificação também militou contra o apocalipticismo popular de sua época. Embora tenha previsto que o retorno de Jesus Cristo estava próximo, Lutero estava bem consciente do estabelecimento de datas por parte de seus contemporâneos anabatistas, muitos dos quais o rejeitaram por crerem que ele não fosse radical o suficiente. Ele não estava interessado em exterminar os ímpios da terra para fazer reformas. Muitos dos que ficaram desencantados com Lutero se voltaram para o mais radical Tomás Müntzer (1489–1525), que, juntamente com sua companhia de “profetas” ,foi banido de Zwickau e acabou preso por denunciar a aristocracia proprietária de terras e liderar seus seguidores na batalha para a conclusão da assim chamada Revolta Camponesa. Müntzer foi posteriormente decapitado.

Hans Hut, um ex-discípulo de Müntzer, previu que Jesus voltaria à terra no domingo de Pentecostes de 1528. Ele procurou reunir 144 mil santos eleitos “a quem ele ‘selou ’marcando-os na testa com o sinal da cruz”. Hut morreu em 1528 e seu “corpo carbonizado (ele tinha incendiado sua cela em um esforço fútil para escapar) foi condenado postumamente”. De modo similar, Melquior Hoffmann estabeleceu local e data para o retorno do Senhor (Estrasburgo, em 1534), e isso também não aconteceu.

Aceitando a interpretação que Agostinho fizera de Apocalipse 20, Lutero cria que, pouco antes do tempo do fim, Satanás seria solto por um breve período antes que o Senhor voltasse para destruir suas obras e lançá-lo no lago de fogo (v. 7–10). Quando, em 1523, soube que os dois primeiros mártires da Reforma foram queimados em Bruxelas, Lutero não se surpreendeu e compreendeu isso como uma manifestação da derrota final de Satanás. Lutero até expressou tristeza por tal martírio não lhe ter sido concedido, pois ele se opunha ao Diabo com grande paixão.



Barrett, Matthew. Teologia da Reforma /  tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. 704 p. 1801-1810