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domingo, 5 de abril de 2020

Distintivos Escatológicos de Lutero - Parte 1




HISTÓRIA REDENTORA, JUSTIFICAÇÃO E UM FIM IMINENTE

A igreja que Lutero procurava reformar era, em muitos aspectos, dominada pela visão medieval de que a graça aperfeiçoa a natureza e de que o reino de Deus se manifestava essencialmente nas instituições da igreja romana. A manifestação do reino de Deus, de fato, devia ser encontrada no dogma da igreja e na obra contínua de Deus nos ofícios e concílios da igreja. Tal igreja necessariamente estava acima e além de toda necessidade de uma reforma radical. Se a igreja e seu infalível magisterium possuíssem o exclusivo poder de amarrar e soltar, então, qualquer desenvolvimento histórico da igreja no futuro teria de estar ligado ao dogma e às decisões conciliares do passado. Nesse entendimento, a escatologia se preocupava principalmente com o futuro do relacionamento de Cristo com sua igreja, e a própria ideia de que a escatologia estava ligada à história era "totalmente estranha”.

A concepção de que o reino de Deus é manifesto em sua igreja explica a reação negativa àqueles que, à semelhança de Joaquim de Fiore, procuraram se concentrar nas últimas coisas à luz da história, e não da eclesiologia. Para combater essas aberrações problemáticas, Tomás de Aquino (1225–1274) não só criticou a escatologia especulativa de Joaquim, mas chegou até a afirmar que, quando a graça aperfeiçoar a natureza no tempo do fim, aquelas plantas e animais incapazes de tal perfeição deixarão de existir.43 Até a natureza humana será radicalmente transformada. Na avaliação de Torrance, “em última instância, a natureza se transforma em sobrenatureza, e a realidade terrena em realidade celestial”. 

Em grande medida, então, o pensamento escatológico dos reformadores deve ser encontrado em seu retorno à ênfase na história redentora lida através da lente da suficiência da Escritura como a última corte de apelação em todos os assuntos de doutrina. A revelação da obra redentora de Cristo na Palavra é essencialmente de natureza histórica, e esse renovado interesse pela história redentora levou os reformadores a olhar para além da síntese de Tomás de Aquino para antecedentes teológicos anteriores da igreja primitiva que os ajudassem a recuperar e a delinear seu entendimento do mandato missionário da igreja. Em contraste com a visão de Roma, os reformadores criam que o reino de Deus se manifestava pela pregação do evangelho, com os ministros enfocando a morte de Jesus como seu centro e a ressurreição do corpo como a esperança cristã. Esse entendimento também se opôs àqueles enfoques especulativos da escatologia de sua época que estavam preocupados com os sinais do fim e com interpretações fantásticas de textos bíblicos proféticos e apocalípticos.

Tanto Lutero quanto Calvino afirmaram que, na pessoa e na obra de Cristo, a nova criação já havia raiado e seria progressivamente revelada até o último dia, quando novo céu e nova terra se tornariam o lar eterno da justiça. Nas palavras de Torrance, em oposição a Roma e sua “interpretação docetista com respeito à redenção e à escatologia, os reformadores encontravam-se completamente indignados ”. A implicação dessa concepção “reformada ” da missão da igreja e de sua mensagem evangélica era que Deus trabalha na história e por meio dela no presente até Cristo voltar. A Palavra corretamente pregada e os sacramentos adequadamente administrados eram instrumentos do Espírito Santo para gerar a nova criação, que agora irrompe no presente. Em consequência, o reino de Deus era visto de forma dinâmica e tendo sido trazido pelo Espírito por intermédio da Palavra, em vez de estático e vinculado a concílios, tradições e instituições da igreja romana.

À medida que o pensamento de Lutero se desenvolvia nesse contexto, vemos uma cristalização de sua distinção entre o céu e a terra, juntamente com a antítese correspondente entre dois reinos divinamente ordenados – o da “graça” (reino de Cristo) e o do “ poder ” (o reino civil) – sobre os quais Jesus governa. A antítese de Lutero entre lei e evangelho, bem como entre pecado e graça, eram completamente escatológicas. A graça não transforma a natureza nesta vida, algo que Lutero conhecia bem de suas próprias lutas com as paixões pecaminosas da carne. A necessária transformação de sua alma não aconteceria muito em breve – Lutero compreendeu que morreria antes de ela ser concluída – e, mesmo assim, qualquer transformação que fosse realizada não poderia ajudá-lo a se tornar suficientemente justo diante de Deus para resistir ao juízo divino – algo que Luteria temia muito.

A solução para esse último problema é revelada por Deus no evangelho quando o pecador é declarado justo diante de Deus por meio da fé nos méritos de Cristo, para que seja libertado da ira escatológica de Deus no último dia. Justificação equivale a um veredito de “não culpado” no tribunal celestial, proclamado ao pecador pela Palavra muito antes da volta de Jesus Cristo no dia do julgamento (supondo que o retorno do Senhor ocorra muito tempo após a morte do pecador), quando o veredito de “não culpado” será finalmente completado na ressurreição do corpo e na vida eterna dos justificados. Isso não é uma mera ficção judicial, como Roma havia acusado Lutero de fabricar, pois a justiça que justifica os pecadores no presente é a do próprio Jesus, imputada ao pecador por meio do instrumento da fé, mas feita em antecipação ao veredito final de “não culpado”dado no dia do julgamento.

O dito de Lutero de que um pecador é simultaneamente um pecador e alguém considerado justo por meio da fé em Jesus Cristo, é inseparável de uma compreensão adequada da história redentora. A antítese entre lei e evangelho significa que o pecador justificado vive em dois “tempos”ou em duas “eras” : Portanto, o cristão está, dessa maneira, dividido entre dois tempos. Na medida em que é carne, ele está debaixo da lei; na medida em que é espírito, ele está sob o Evangelho. Sua carne sempre se apega à luxúria, à ganância, à ambição, ao orgulho etc. Assim, a ignorância acerca de Deus, a impaciência, os resmungos e a ira contra Deus são porque Deus obstrui nossos planos e esforços, e porque ele não castiga imediatamente os ímpios que o desprezam. Esses pecados se apegam à carne dos santos, portanto, se você não olhar para algo além da carne, permanecerá permanentemente sob o tempo da Lei. Mas esses dias foram abreviados, pois, caso contrário, nenhum ser humano seria salvo (Mateus 24:22). Um fim te de ser estabelecido para a lei, onde ela vai parar, portanto, o tempo da lei não é para sempre, mas tem um fim, que é Cristo. Contudo, o tempo da graça é para sempre, pois Cristo, morto uma vez por todas, nunca mais morrerá (Romanos 6:9,10). Ele é eterno; portanto, o tempo da graça também é eterno.

Por um lado, Lutero apontava que a vinda de Jesus Cristo marca uma ruptura fundamental com a antiga aliança. Por outro, o cristão ainda permanece na carne, sujeito às constantes exigências da lei, expondo o fato de que, mesmo aqueles que acolhem Cristo e são presentemente justificados, ainda permanecem pecadores. Lutero acreditava que, pelo fato de os justificados permanecerem “carne”, que Deus graciosamente encurtará os dias de luta até que Jesus Cristo volte para pôr fim à existência humana carnal, introduzindo a eterna era da graça. É nesse sentido, então, que a compreensão de Lutero sobre a salvação era completamente escatológica e era a base de sua expectativa de que o retorno de Cristo estivesse próximo.

O enquadramento escatológico de Lutero da doutrina da justificação também militou contra o apocalipticismo popular de sua época. Embora tenha previsto que o retorno de Jesus Cristo estava próximo, Lutero estava bem consciente do estabelecimento de datas por parte de seus contemporâneos anabatistas, muitos dos quais o rejeitaram por crerem que ele não fosse radical o suficiente. Ele não estava interessado em exterminar os ímpios da terra para fazer reformas. Muitos dos que ficaram desencantados com Lutero se voltaram para o mais radical Tomás Müntzer (1489–1525), que, juntamente com sua companhia de “profetas” ,foi banido de Zwickau e acabou preso por denunciar a aristocracia proprietária de terras e liderar seus seguidores na batalha para a conclusão da assim chamada Revolta Camponesa. Müntzer foi posteriormente decapitado.

Hans Hut, um ex-discípulo de Müntzer, previu que Jesus voltaria à terra no domingo de Pentecostes de 1528. Ele procurou reunir 144 mil santos eleitos “a quem ele ‘selou ’marcando-os na testa com o sinal da cruz”. Hut morreu em 1528 e seu “corpo carbonizado (ele tinha incendiado sua cela em um esforço fútil para escapar) foi condenado postumamente”. De modo similar, Melquior Hoffmann estabeleceu local e data para o retorno do Senhor (Estrasburgo, em 1534), e isso também não aconteceu.

Aceitando a interpretação que Agostinho fizera de Apocalipse 20, Lutero cria que, pouco antes do tempo do fim, Satanás seria solto por um breve período antes que o Senhor voltasse para destruir suas obras e lançá-lo no lago de fogo (v. 7–10). Quando, em 1523, soube que os dois primeiros mártires da Reforma foram queimados em Bruxelas, Lutero não se surpreendeu e compreendeu isso como uma manifestação da derrota final de Satanás. Lutero até expressou tristeza por tal martírio não lhe ter sido concedido, pois ele se opunha ao Diabo com grande paixão.



Barrett, Matthew. Teologia da Reforma /  tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. 704 p. 1801-1810 

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