google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 google.com, pub-7873333098207459, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Escatologia Reformada : Apocalipticismo Tardo-Medieval e os Reformadores Radicais

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Apocalipticismo Tardo-Medieval e os Reformadores Radicais



Outra razão dada para explicar por que os reformadores não trataram extensivamente de escatologia é que eles estavam tão desanimados com o extremismo da apocalíptica do período tardo- medieval, bem como o encontrado entre os seus contemporâneos anabatistas, que evitaram o assunto. Embora os pontos de vista escatológicos dos anabatistas radicais fossem de fato altamente especulativos, os reformadores não os ignoraram. De fato, Lutero foi influenciado por ideias e suposições proféticas do fim do período medieval, incluindo a percepção de que o julgamento final estava próximo, como o ponto culminante da luta de eras entre Deus e o Diabo. Conforme Lutero aprofundava essa expectativa ao longo de sua carreira, ele veio a entender que a redescoberta do evangelho era o ponto de virada crítico nessa guerra cósmica abrangente.

A concepção de que a história estava entrando numa terceira e última fase, a era do Espírito Santo, também se difundiu na Alta Idade Média, na qual as expectativas escatológicas foram aumentadas e os cálculos proféticos especulativos eram comuns. A “busca do milênio” (típico de apocalipticismo) brotou na Era da Reforma, mas especialmente entre os chamados “reformadores radicais”, que foram
influenciados em diferentes graus por Joaquim de Fiore (c. 1135–1202) e os Franciscanos Espirituais. Embora cada vez mais convencido de que o fim estava perto, Lutero rejeitou os elementos especulativos desses movimentos, incluindo a “terceira dispensação”, de Joaquim. No entanto, em 1541, Lutero publicou Suppatio annorum mundi [Cronologia do mundo], na qual argumentou que o ano de 1540 era o 5.500o ano após a criação e, embora tenha calculado que faltassem outros quinhentos anos até que o sábado eterno começasse, marcando o 6.000o ano de criação, concluiu que o Senhor prometera encurtar os dias por causa dos eleitos e poderia voltar em breve. 

Embora rejeitasse os elementos radicais da apocalíptica medieval, Lutero era completamente escatológico em sua perspectiva teológica, vendo a escatologia como entrelaçada com a revelação da
história humana. O foco de Lutero em solus Christus na doutrina da justificação pela fé deu a orientação para toda sua teologia, incluindo seu entendimento dos tempos do fim. Como o pecador justificado é libertado da ira de Deus e da punição eterna, a doutrina da justificação, que era o coração do recém-recuperado evangelho, dirige toda a história em direção a seu objetivo final. É a pregação contínua da lei e do evangelho – hostil aos cegos à verdade – que provoca grande parte da convulsão e do conflito que o povo de Deus enfrentará até o fim da história por parte do Diabo e daqueles a quem este cegou. Somente então a vitória de Jesus Cristo sobre o pecado, a morte, o Diabo, a lei e a ira de Deus será gloriosamente manifesta.

OS “ÚLTIMOS DIAS” E A REFORMA DA IGREJA 

Em contraste, portanto, à suposição generalizada de que osreformadores não se preocupavam com a
escatologia,seu trabalho de reforma era profundamente influenciado pela compreensão da  era em que viviam. De acordo com Timothy George: Apesar de todo o seu esforço em retornar à igreja primitiva do Novo Testamento e da idade patrística, a Reforma foi essencialmente um movimento voltado para o futuro. Foi um movimento dos“últimos dias” que viveu uma intensa tensão escatológica entre o “não mais” da antiga dispensação e o “ainda não” do reino de Deus porse consumar. Nenhum dos reformadores [...] abraçou muito as escatologias apocalípticas radicais que floresceram no século XVI. [...] Cada um deles estava convencido de que o reino de Deus estava irrompendo na história nos eventos dos quais ele [Deus] foi levado a fazer parte. Imbuído desse senso de urgência escatológica, em 1543 Calvino escreveu o seguinte a Carlos V, imperador do Sacro Império Romano: “A Reforma
da Igreja é obra de Deus e é tão independente da vida e do pensamento humanos como o é a ressurreição dos mortos ou qualquer outra obra”.

Os reformadores viram-se como partícipes de uma obra vital de Deus: a reforma da igreja. Pelo fato de acreditarem ser meros instrumentos nos propósitos soberanos de Deus, eles entenderam os tempos do fim na perspectiva presente, o “agora”revelando-se diante de seus próprios olhos. Lutero reclamou que a igreja romana e seus líderes estavam contentes em esperar pelo juízo final para a reforma da igreja e colocou o assunto como só ele poderia: “Em Roma, são necessários dois homens para uma reforma, ‘um para ordenar o bode e o outro, para segurar a peneira".

Em um comentário sobre Gálatas 4:6, Lutero descreveu seu foco no trabalho que Deus lhe dera: “Começamos a demolir o reino do anticristo, mas eles provocarão Cristo para apressar o dia de sua vinda gloriosa, quando ele abolirá todos os principados, potestades e forças, e colocará todos os seus inimigos debaixo de seus pés ”. Na estimativa de Lutero: “Estes últimos dias já começaram, e [...] portanto, as ‘últimas coisas começaram em nosso tempo histórico, de modo que o relógio escatológico começou a marcar”. A escatologia não é algo a ser relegado para o futuro distante, conforme testifica a contínua obra de redenção de Deus nos direciona ao fim dos tempos, que se desdobram até o retorno do Senhor.

Se os reformadores não reescreverem o dogma estabelecido da igreja com respeito aos tempos finais – em que Jesus há de retornar no fim da era para julgar o mundo, ressuscitar os mortos e estabelecer novo céu e nova terra –, eles certamente o modificaram um pouco e incorporaram seu entendimento escatológico em suas polêmicas e teologia pastoral, bem como em seus escritos dogmáticos.


Barrett, Matthew. Teologia da Reforma. Tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p.1785-1791

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